Em Alagoas, plano de guerra, policiais despreparados e armas sem controle

Com 10 mil assassinatos (exatos 9.973) nos últimos cinco anos, quase 30 mil (27.601) em 32 anos e uma pessoa morta a tiros, a cada três horas, Alagoas se tornou o Estado mais violento do Brasil– o Estado é o segundo menor do Brasil, tem 3 milhões de habitantes e menos de 2% dos habitantes brasileiros.

A capital, Maceió, acumula a terceira colocação mundial no ranking de lugares que mais matam- em regiões que não estão em guerra. Segundo o Mapa da Violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil, Maceió continua a concentrar praticamente a metade dos homicídios do estado, com uma taxa pouco vista no histórico dos 30 anos nas capitais brasileiras: 109,9 homicídios em 100 mil habitantes.

Arapiraca, o segundo município em ordem de tamanho, não fica muito atrás: 104,2 homicídios em 100 mil habitantes, quando no ano 2000 tinha 31,1. Os números específicos de mortes em Maceió não são divulgados.

Há duas semanas, uma criança de onze anos foi morta com um tiro no peito, em uma discussão de trânsito entre o pai- um carroceiro- e o motorista de um carro. Na sexta-feira, o filho de uma promotora fugiu de um assalto e acabou atropelado, no bairro da Ponta Verde- área de luxo na capital alagoana. Está internado na UTI de um hospital particular.

Neste sábado, um morador de rua reagiu a um assalto e acabou morto a facadas.

Preocupado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, enviou equipes do Ministério a Alagoas e na próxima quarta-feira traz o staff do MJ, com ele na chefia, ao Estado para o lançamento do Plano Nacional de Segurança- um plano piloto no Brasil para conter os números da criminalidade- o País tem a 3a maior taxa de assassinatos, por armas de fogo, na América do Sul.

O mega plano é comparado, pelo ministro, às equipes cinematográficas do CSI, dos seriados americanos. Para Alagoas, serão mais de R$ 50 milhões. A Polícia Federal vai barrar a ação dos grupos de extermínio; a Força Nacional será reforçada em 250 homens; helicópteros vão zunir pelos céus alagoanos à caça de criminosos; os peritos vão esclarecer 3 mil laudos periciais pendentes no Estado- mais 604 solicitações de perícias só este ano (até maio). 97% destas solicitações estão pendentes.

Todo policial alagoano terá um tablet, que será interligado a uma sala de monitoramento no Tribunal de Justiça. Duas mil armas serão destruídas logo após o lançamento do plano pelo ministro, na próxima quarta-feira.

É a terceira vez, em um ano, que Cardozo vem a Alagoas- duas delas só em 2012. E quando pisar no Estado mais violento do Brasil saberá que, no sábado, o Instituto Médico Legal Estácio de Lima (IML), em Maceió, foi destruído por parentes de mortos porque os 30 médicos legistas estavam em greve- decretada ilegal pelo Tribunal de Justiça; corpos são enterrados com balas, porque não há médicos suficientes para as perícias.

Plano não corrige desmotivação

Segundo o presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Josimar Melo, o plano pode ser até bom, no papel. Na prática, não vai consertar 15% das delegacias de Alagoas que estão interditadas por falta de estrutura; os policiais civis, desmotivados, não terão uma política de valorização; os jovens ficarão de fora de uma política de recuperação do tecido social: um a cada dois alagoanos, segundo Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobrevive de algum benefício federal ou esmolas.

“Somos contra a vinda da Força Nacional para Alagoas. Isso não irá resolver o problema da violência. É preciso que o governo valorize os policiais civis, melhorando as condições de trabalho, realizando concurso público e criando políticas efetivas para combater a violência. Alagoas possui um milhão de jovens vulneráveis e sem perspectiva. Esses jovens são vítimas do tráfico de drogas”, disse.

Mesmo o tablet é um luxo nas mãos de um policial. 25% da população alagoana mal sabe ler e escrever, segundo o IBGE. Com os policiais não é diferente: a maioria sequer sabe mexer em um computador. E, mesmo que todos fossem treinados, nem todas as cidades de Alagoas têm acesso a internet. E, mesmo que todas as cidades tenham internet, a maioria das delegacias sequer tem computador.

“O Governo do Estado não investe na formação dos policiais com as novas tecnologias. A categoria não é capacitada nem para usar os sistemas de integração das informações, como o Sispol, o Infoseg, o Renavam etc. Muitas delegacias do interior de Alagoas não possuem dequer internet”, disse Josimar Melo.

Pelos dados do Mapa da Violência, até o início de 2000, as taxas alagoanas caminhavam próximas à média brasileira. Nos últimos 12 anos- entre os governos Ronaldo Lessa (PDT) e o atual, Teotonio Vilela Filho (PSDB), o quadro mudou assustadoramente. De 1999 a 2010, por exemplo, a taxa de homicídios saltou de 20,3 mortos em cada grupo de 100 mil habitantes para 66,9. O crescimento foi de 228,3%.

Na semana passada, reunido com todos os secretários, Vilela responsabilizou Lessa pelo crescimento dos assassinatos no Estado. “De 1999 a 2006, o percentual subiu de 21 assassinatos por 100 mil habitantes para 60 por 100 mil”, disse Vilela, enquanto em seu Governo subiu de 60 para 66.

Lessa revida o ataque. Os dois caciques brigam, publicamente, pela Prefeitura de Maceió.

Armas sem controle 

Pelos dados do TJ, de fevereiro do ano passado até a semana passada, 6.838 armas de fogo- dos mais diversos calibres- foram periciadas e encaminhadas para destruição pelo Exército; 4.578 já destruídas. 1.973 destas armas foram apreendidas em Maceió. Arapiraca, a segunda maior cidade de Alagoas, contribuiu com 1.217 armas.

“Hoje, a realidade em Alagoas é esta: um comércio que se abre de aluguel de armas- a pessoa é morta com uma arma alugada e depois ela é devolvida ao “dono”. Muitos assassinatos cometidos por jovens, menores que 18 anos, todos armados. Eles sabem que a legislação não pune, então eles continuam no crime sem serem detidos”, disse o apresentador do programa de TV Fique Alerta, de grau policialesco, o deputado estadual Jeferson Morais (DEM).

“Estou curioso para ver este plano. Não temos, como no Rio de Janeiro, ação de milícias e sim traficantes. Temos áreas dominadas- nem a polícia entra nestes lugares”, disse o parlamentar.

Um dos chefes da operação que desarticulou a ação do crime organizado no Espírito Santo (representando pela Le Cocq- o esquadrão da morte capiba, responsável por 30 assassinatos políticos em 18 anos e 1.500 homicídios por ano, extinta em 2006), o delegado federal aposentado e secretário de Segurança Comunitária em Maceió, José Pinto de Luna, se assustou quando assumiu a Superintendência da Polícia Federal alagoana em 2007.

“Aqui ainda se mata por crime passional. Crimes contra homossexuais que até hoje não foram esclarecidos e fica por isso mesmo. Eu acredito que o tráfico tenha influência muito grande, mas não nessa proporção, como em outros estados do Nordeste. Mas, ainda impera aqui o crime de mando. Acredito que essa proporçao seja entre 60%, 70%, os homicídios por tráfico. Aqui ainda impera a cultura da pisa, na tabica ou tapa na cara”, disse Luna.

“A parte alta da capital preocupa mas, na parte baixa, temos o Vergel do Lago. É a parte plana da cidade. Muitas coisas vem pela lagoa Mundaú, em barcos, como drogas, armas. Temos um aeroporto aqui que, na minha gestão na Polícia Federal, incentivamos uma fiscalização mais ferrenha e pegamos várias coisas. Pegamos uma pessoa com uma grande quantidade de dinheiro e descobrimos que ela estava sequestrando um pessoal; em Paulo Afonso, estava fugindo um pessoal do Rio de Janeiro. O aeroporto internacional merece uma fiscalização especial, porque tem voo charter. A bandidagem ainda não descobriu este viés. Temos sorte”, explicou o delegado federal aposentado.

“O policiamento de Alagoas é burro. Insiste-se em um modelo aleatório, com carro circulando pelas ruas. Não funciona. Todas as pesquisas sobre este tipo de policiamento no mundo mostram que este modelo não é suficiente”, disse o consultor e ex-ouvidor nacional dos Direitos Humanos, Pedro Montenegro. “A aposta do Governo Federal sempre foi que os estados adotassem a filosofia do policiamento comunitário”, explicou.

Dados da Secretaria da Fazenda de Alagoas indicam que, até o final do ano, o Governo quer gastar 58,4% de todo o orçamento na área da segurança pública com policiamento. Dos R$ 871,5 milhões, R$ 509 milhões especificamente para esta ação. Pelos números do Relatório Resumido de Execução Orçamentária, com dados de janeiro a abril deste ano, os gastos na função “segurança pública” representam o terceiro na lista de despesas da administração estadual. Perdem para os custos com a máquina- incluindo os repasses aos poderes e pagamentos aos servidores (R$ 1,2 bilhão) e Saúde (R$ 879,4 milhões).

“Até hoje não tem uma solução para o assassinato do meu filho”, disse a mãe do estudante Fábio Acioli, Marilza Acioli- nas recentes entrevistas que deu a televisão. O caso do filho dela é um dos mais chocantes dos últimos anos no Estado. Ele foi sequestrado e queimado vivo em agosto de 2009. Com o corpo em chamas, gritava por socorro, quando foi levado ao hospital. Morreu dias depois.

“O próprio Graciliano Ramos se referia à violência alagoana em seu livro autobiográfico Infância: negociava-se a vida em um pacto silencioso, o assassinato era uma forma eficaz de controle, tudo costurado pela impunidade. Graciliano, que era alagoano, dizia que um fulano nunca matou um homem. E sim cabra ruim”, disse a cientista social, Ana Cláudia Laurindo.

“O crime sai maquiado, mas todos sabem de onde veio. O silêncio da legalidade participa do pacto. As provas materiais não têm sido suficientes para extinguir essa prática, pois que a mesma permanece incólume no cerne das relações estabelecidas entre uns e outros, formando essa vigorosa cadeia de impunidade que deve nos assustar cada vez mais. Será que o plano de segurança do Governo Federal vai resolver isso?”, pergunta a pesquisadora.

2 respostas

  1. Tablets para policiais, supermaletas para peritos… mera maquiagem para o combate ao crime. Esses anúncios só mostram o quanto as autoridades estão equivocadas no combate à violência e que não conhecem as particularidades das cidades alagoanas. Não se combate a violência usando tecnologia somente à serviço das investigações. É preciso que se faça mais, muito mais, pela prevenção dos crimes.

  2. sou policial civil e sem salario ,não vai mudar nada.
    forna nacional e so balela, pois os mesmos nao conhecem nada do nosso estado, ficarao perdidos nas grotas de maceio. coitados.

.