Em Alagoas, o cidadão não merece ser mais igual que os outros

Três dias após o crime, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Alagoas reuniu-se com a Corregedoria do Tribunal de Justiça. Era um pedido para se cumprir da lei: o prefeito de Traipu, Marcos Santos (PTB), teria de ser transferido de uma cela do presídio Baldomero Cavalcante para um alojamento na Academia da Polícia Militar

Diz-nos o texto: “Todos são iguais perante a lei”.

No bairro do Jacintinho, em Maceió, Gabriela brincava na calçada, da porta de casa, na segunda-feira de Carnaval. Traficantes iniciaram uma disputa pela boca de fumo da Rua São João – onde morava Gabriela. Tiros. A menina de 10 anos tombou no chão.

Dona Isabela, diarista, mãe de Gabriela, velou a filha lembrando a seguinte história: em dois anos, o marido foi assassinado; depois, o filho, também assassinado. Agora, a filha.

Três dias após o crime, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Alagoas reuniu-se com a Corregedoria do Tribunal de Justiça. Era um pedido para se cumprir da lei: o prefeito de Traipu, Marcos Santos (PTB), teria de ser transferido de uma cela do presídio Baldomero Cavalcante para um alojamento na Academia da Polícia Militar.

O pedido da OAB era fundamentado: Santos é advogado e as condições das celas do Baldomero eram inadequadas ao operador do Direito.

Ele responde à quase duas dezenas de processos – quase todos por corrupção. Em Traipu – segunda cidade mais pobre do Brasil – R$ 16 milhões foram desviados, em três esquemas diferentes, desvendados pela Polícia Federal. O dinheiro da merenda escolar virou cabeças de gado, comprou fazendas, carros de luxo, caminhões, caçambas.

Os meninos das escolas públicas em Traipu – da idade de Gabriela – comiam bolacha com kisuco – o suco em pó, derretido na água. As crianças viram frango, na hora do recreio, ano passado – quando o prefeito estava preso pela quinta vez.

Em dezembro, preso, o prefeito organizou uma festa de final de ano, autorizada pela Justiça, na sua cela. Os parentes puderam participar e tirar fotos para o Facebook. Após a repercussão do caso na imprensa, as fotos foram retiradas do ar e a cela “especial”, desativada.

A mãe de Gabriela tem a Defensoria Pública para recorrer. 90% dos alagoanos não podem pagar um advogado – e nem a OAB poderia, mesmo se quisesse, ajudar a todos os carentes. O acusado de matar Gabriela disse, na delegacia, que estava armado mas não tinha intenção de matá-la. A briga é longa.

Os 500 presos apinhados em delegacias alagoanas têm o que lhes é ofertado: 14% dos prédios interditados, a pedido da Justiça.

Ou correm risco de cair ou podem matar os presos e os policiais com uma epidemia de doenças. Na quinta-feira (23), a Defensoria Pública pediu a interdição de mais uma delegacia: “O prédio e as celas estão em péssimas condições de salubridade e higiene, sem condição alguma para um ser humano ali permanecer, ainda que temporariamente”, diz o texto da petição, endereçado ao Judiciário.

Sim, todos são iguais perante a lei, diz o texto. Mas, as condições são diferentes. Ou, como acrescenta George Orwell, em A Revolução dos Bichos – quando os animais, àquela altura, eram confundidos com os homens: “Mas alguns são mais iguais que os outros”.

No Brasil – e o Estado mais violento da nação mostra isso – o cidadão não deve ser mais ou menos igual. Deve ser cidadão. E um só: nem maior nem menor. Nossa “igualdade desigual” é um vexame internacional. Nem a OAB – clarividente em seus 80 anos – merece esquecer seu estatuto: a defesa, também, dos direitos de todos.

.