Efeitos nítidos da psicoterapia

 

Theo Ruprecht – Saúde

No dia 12 de maio de 2006, uma facção criminosa deu início a atentados em São Paulo que terminaram com a morte de mais de 100 pessoas — incluindo aí policiais, bandidos e muitos inocentes. Durante a onda de terror, delegacias foram atacadas e membros da Polícia Militar (PM) ficaram expostos a situações de risco extremo, que acabaram afetando a mente de muitos deles, até mesmo meses após os ataques. “Era comum encontrarmos entre esses indivíduos sintomas como recordações frequentes do ocorrido e um estado de alerta exagerado e contínuo”, lembra-se o capitão Leandro Gomes Santana, psicólogo da PM. Em outras palavras, boa parte dos patrulheiros sofria com estresse pós-traumático.

Pouco antes disso tudo, o psicólogo Julio Peres, da Universidade Federal de São Paulo, pensava em maneiras de estudar o impacto desse distúrbio no interior do crânio. Com os acontecimentos, firmou uma parceria com a PM e, após uma análise prévia, dividiu 36 voluntários da corporação em três turmas. Os primeiros eram, digamos, mais resistentes e, por isso, estavam livres do problema. Outros apresentavam o quadro e foram separados para participar de sessões de psicoterapia. E os últimos, embora também acometidos, não passariam por cuidados psicológicos nessa primeira etapa.

Inicialmente, todos se submeteram a um exame de ressonância magnética, que gera uma fotografia da massa cinzenta. Só que, durante a avaliação, os policiais ouviam gravações daqueles momentos dramáticos justamente para reavivar a memória.

Em seguida, cada um dos selecionados para tratamento começou a se encontrar com terapeutas como o próprio capitão Leandro Santana. Após um mês, os 36 participantes voltaram a ser examinados por meio da ressonância. “Constatamos que o cérebro dos policiais tratados, diferentemente da primeira fase da pesquisa, estava muito parecido com o dos indivíduos naturalmente mais resilientes”, esclarece Peres. “Já os com estresse pós-traumático, mas que não fizeram sessões de terapia, tinham certas estruturas até mais afetadas do que nos primeiros testes”, completa.

Os resultados, que renderam ao trabalho o Prêmio SAÚDE na categoria Saúde Mental e Emocional de 2011, deixam claro dois pontos. Um deles é que a psicoterapia está longe de ser reles coadjuvante na recuperação ou um tratamento inócuo. Afinal, ela deixa a cabeça de uma pessoa que vivia traumatizada tão segura e livre de pensamentos negativos frequentes quanto a mente de um sujeito que já estava em paz. “A segunda conclusão é que, sem seu auxílio, o trauma pode até se agravar”, avisa Ana Maria Rossi, psicóloga e presidente da International Stress Management Association (Isma-BR), em Porto Alegre. Por mais que o tempo geralmente ajude a superar lembranças doídas, conviver mais de um mês com pesadelos constantes, irritabilidade e pânico não é normal — nem saudável. “O estresse pós-traumático aumenta o risco de doenças cardiovasculares e compromete a imunidade”, ressalta William Berger, psiquiatra da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro.

Existem casos em que o estresse pós-traumático dá as caras isoladamente. “Mas, em 80% das vezes, há um distúrbio psiquiátrico associado. O principal é a depressão”, ensina Berger. E o curioso é que um pode dar o pontapé inicial para o outro. Ou seja, ao mesmo tempo que o deprimido está mais sujeito a sofrer demais com um evento desagradável, o traumatizado possui uma probabilidade alta de cair na tristeza sem fim.

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