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Divisão Internacional da Psicologia?

Tenho dado uma atenção especial para a geração de ciência no exterior para entender a pandemia e seus implicações sociais, políticas, econômicas e psicológicas. Descobri que não há apenas uma distância na forma como se faz ciência lá fora e como se faz aqui, mas um abismo na forma como é dividida a hierarquia das ciências no Brasil.

Isto é, estou partindo do pressuposto que existe um modo diferente de lidar com diferentes áreas de conhecimento e que sua relevância social é construída a partir de como o mercado de trabalho, que sustenta um modo de produção e uma estrutura produtiva própria do desenvolvimento capitalista de cada região.

Se compreendermos que existe uma divisão internacional do conhecimento científico fica ainda mais claro nosso estado de dependência dos estudos de fora.

Os diferentes saberes são criados a partir de relações sociais de produção e só são possíveis a partir de um desenvolvimento mediado por atores sociais que socializam o conhecimento produzido e que é necessariamente exterior ao sujeito que aprende. Esta interação cria a possibilidade deste sujeito agir na natureza e no espaço geográfico. Aqui é onde se sustenta a possibilidade de construir outros conhecimentos e assim por diante.

E quando os conhecimentos produzidos pela humanidade não são para todos? E quando há uma cisão fundamental entre povos, raças, classes e nações em detrimento de uma divisão internacional da riqueza, do desenvolvimento científico e dos bens e serviços que envolvem saúde e qualidade de vida?

Este é o nosso contexto elementar. É aqui que estamos tentando atuar enquanto psicólogos, enquanto cientistas do comportamento humano; sem essa localização materialista não conseguimos uma análise histórica e dialética, isto é, aquela que compreende as relações e contradições sociais que organizam a sociedade em uma relação fundamental entre os que possuem e os que são despossuídos.

As contradições inerentes ao capitalismo e a forma como a classe dominante administra os conhecimentos de acordo com seus interesses nos colocou em um momento crucial da história humana: os limites da ciência são limites construídos na luta de classes.

Isto implica dizer que como psicólogos, trabalhando (ou tentando trabalhar) em uma estrutura societária desigual e complexa, precisamos tomar partido nesta problemática que se situa entre classes sociais com interesses antagônicos.

Considerando a Psicologia como produtora de saber social, pois lida diretamente com as relações sociais e comportamento social, ela é um objeto de disputa que carrega questões ideológicas e políticas produzidas no “way of life” burguês.

O mundo burguês, no entanto, tem suas cisões e dissidências. Eventualmente a conjuntura comprime seus planos e a aposta na ciência se torna uma exigência.

Revistas científicas de renome como a The Lancet lançou um chamado às ciências da saúde mental para empreender pesquisas e organizar uma infraestrutura de pesquisa com características altamente tecnológicas, como base de dados junto aos serviços de saúde, para entender os impactos e as possibilidades de atuação no novo contexto pandêmico (ver Holmes).

As preocupações atravessam disciplinas e áreas da ciência para compreender desde a cognição até a emoção frente ao novo coronavírus, assim como fatores de risco que envolvem suicídio e automutilação.

As áreas convocadas vão desde a Psicologia até a Neurociência; a palavra de ordem é cooperação e ética científica.

Onde situamos a Psicologia Brasileira nesta divisão internacional do conhecimento científico? Faremos, nós, um chamado aos nossos colegas de diversas áreas para estudar as consequências da pandemia e da crise política e econômica que caracteriza nossa conjuntura? Teríamos nós as condições materiais para fomentar uma infraestrutura de pesquisa que envolve relações entre saúde pública e ciência como políticas de Estado?

Aqui, o que temos é uma burguesia dependente e que despreza a seu prazer o conhecimento, as experiências e evidências levantadas pela ciência dentro e fora do país.

Enquanto no exterior existe esforços que se voltam para a compreensão dos fenômenos psicossociais e econômicos para melhor lidar com a situação de emergência, no Brasil ficamos de mãos atadas a despeito de um Governo que não investe em ciência.

Há Psicologia possível no Brasil de hoje? A quem e a que está servindo o sofrimento psíquico do povo brasileiro?

Está na conta de quem os Janeiros Brancos e os Setembros Amarelos que se desfizeram no ar?

Saiba mais:

HOLMES, E. A. et al. Multidisciplinary research priorities for the COVID-19 pandemic: a call for action for mental health science. The Lancet Psychiatry, 2020. Disponível em: <https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(20)30168-1/fulltext>

 

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