Dilma, Wagner e Alckmin no mesmo barco, a lei

Em agosto último, o Senado anistiou policiais militares e bombeiros do Rio de Janeiro e, por extensão, todos os integrantes da categoria que fizeram greves desde 1997 em 12 Estados da Federação

José Nêumanne – Estadão

Em 1991, os policiais militares da Bahia entraram  em greve, na gestão de Antônio Carlos Magalhães (ACM). Dez anos depois,  houve nova greve sob o governo de um carlista, César Borges. Em ambos  os casos, o então parlamentar petista Jaques Wagner se pronunciou  publicamente a favor dos movimentos, seus líderes e participantes. Este  ano, sob a liderança do mesmo Marco Prisco ao qual antes dera suporte,  no governo do Estado para o qual foi eleito por obra e graça do fenômeno  popular Lula da Silva, esse político recorreu às Forças Armadas e a  soldados da Força Nacional para desocupar a Assembleia Legislativa  baiana, invadida pelos grevistas. Como num jogo de xadrez, as peças  mudam de cor e de casa, mas o jogo continua: Prisco, ex-aliado e atual  desafeto de Sua Excelência, passou por PT, PSOL e PCdoB antes de  encontrar refúgio no ninho tucano, onde se encontra. O PSDB, que  denuncia a incoerência do petista, daria melhor contribuição à  democracia se o desautorizasse e expulsasse do partido, deixando clara  sua posição a favor não do governo Wagner, mas da ordem pública sob a  proteção de Deus e da Constituição. No jogo sujo da política, contudo,  princípios e valores têm sido substituídos por oportunismo e desfaçatez.

Em  agosto último, o Senado anistiou policiais militares e bombeiros do Rio  de Janeiro e, por extensão, todos os integrantes da categoria que  fizeram greves desde 1997 em 12 Estados da Federação. Num bom exemplo de  coerência e espírito público, o senador paulista Aloysio Nunes  Ferreira, do mesmo PSDB de Prisco, foi um dos raros responsáveis que não  avalizaram a lei demagógica, que enfraquece as defesas da democracia  contra pleitos abusados de uma corporação fardada, armada e de posse de  equipamentos públicos para chantagear a autoridade constituída. E a  presidente Dilma Rousseff sancionou a lei.

Mas menos de meio ano  depois ela recuou dessa decisão temerária e pôs os pingos nos is na  questão delicada da estreita fronteira entre o direito que todo  trabalhador tem de lutar por melhores salários e condições de vida e a  obrigação que o policial militar ou bombeiro assume de garantir a ordem  pública. “Se você anistiar, vira um país sem regras”, sentenciou, de  forma muito judiciosa, a presidente, sem deixar vácuo para dúvidas.

Em  Parnamirim (PE), aonde foi na semana passada para inspecionar obras da  Ferrovia Transnordestina, Sua Excelência foi além da afirmação ao traçar  praticamente um roteiro de orientação para o assunto sob seu governo.  “O Brasil tem hoje uma visão de garantia da lei e da ordem muito  moderna. Nós não consideramos que seja correto instaurar o pânico, o  medo, criar situações que não são aquelas compatíveis com a democracia.  Numa democracia, sempre tem que se considerar legítimas as  reivindicações. Mas há formas de reivindicar. E não considero que o  aumento de homicídios nas ruas, a queima de ônibus, entrada em ônibus  encapuzados seja uma forma correta de conduzir o movimento”, disse ela. A  declaração merecia uma placa, qual um gol inesquecível.

A  presidente só precisa é aplicar esse pragmatismo responsável, que usou  em defesa da intransigência (nem sempre sinônimo de competência) de seu  correligionário Jaques Wagner, ao tratar de assuntos correlatos  enfrentados por adversários políticos – como o tucano Geraldo Alckmin na  reintegração de posse do terreno ocupado pela comunidade Pinheirinho,  em São José dos Campos. É uma sandice exigir que o governador da Bahia  trate os PMs e bombeiros grevistas sob suas ordens com condescendência  por ter sido cúmplice deles no passado. Da mesma forma, não é sensato  rejeitar a lucidez demonstrada pela chefe do governo federal no sertão  de Pernambuco porque cinco meses antes, no Planalto Central do País, ela  entrou na corrente dos senadores irresponsáveis que perdoaram  amotinados que violaram a lei em nome de princípios socialmente justos e  tidos como politicamente corretos. Não há mais lugar, no Brasil  “moderno” exaltado pela mandatária máxima, para a mentalidade engajada  que exige da autoridade vista grossa para quem viola a ordem jurídica  vigente no Estado Democrático de Direito em nome do estado de  necessidade. Servidores fardados e armados não podem invadir impunemente  Assembleias, quartéis ou outros próprios públicos porque ganham mal.  Pobres sem-teto não devem ser mantidos na posse de terrenos que não lhes  pertencem por não terem casa. Agiram bem Wagner, Dilma e Alckmin ao  usar o poder de coerção para expulsar grevistas e posseiros dos prédios e  terrenos que ocuparam indevidamente.

O que Dilma disse em  Parnamirim consola os aflitos, como este escriba, por ter ela defendido,  no Fórum Social de Porto Alegre, a volta ao estado de barbárie ao  chamar de “bárbara” a operação em que a PM paulista cumpriu ordem  judicial expressa, a pretexto de comiseração em relação aos desvalidos  da Terra. Pode ser aceitável a atitude de Jaques Wagner de se  acumpliciar com grevistas que enfrentaram o carlismo, assim como  discutível a responsabilidade do PSDB pela irresponsabilidade de seu  militante Prisco no comando de um movimento que, como definiu Dilma,  mais ataca do que preserva a democracia. Tudo isso faz parte da luta  pelo poder, que nunca foi um ato devoto de carmelitas descalças.

Mas  depois de Alckmin haver, corretamente, enfrentado a onda de engajados  contra a ocupação do Pinheirinho; de Wagner, de forma acertada, ter  negado anistia aos grevistas de seu Estado para tê-los de volta ao  cumprimento do dever; e de Dilma, estabelecido o marco decisório de  Parnamirim; os três perderam o direito à incoerência. Alckmin não podia  deixar dúvidas sobre seu repúdio à estratégia de Prisco, Wagner perdeu a  autoridade para apoiar movimentos similares ao que enfrentou e Dilma  não deve empregar dois pesos e duas medidas neste assunto capital que é o  império da lei no Estado Democrático de Direito.

.