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Diálogo com Salomão Benchaya sobre espiritismo laico

O tempo passa e a história não sacia sua fome de descobertas, e neste gancho, o que pode ser muito familiar para algumas pessoas, a outras parecerá algo incrível; as possibilidades de acesso são controladas pelas circunstâncias, e estas podem ser manipuladas pelas intencionalidades múltiplas do poder. Nem sempre é permitido saber.

Espiritismo laico te assusta?

Entabulando um diálogo com Salomão Jacob Benchaya a partir do seu artigo “Afinal o que é espiritismo laico?”, seguiremos a desvendar detalhes, que parecem tão óbvios, mas apenas parecem.

“A rigor, o espiritismo não deveria ser adjetivado. A expressão espiritismo laico só existe por necessidade comunicacional de distinguir-se do espiritismo cristão ou evangélico”, explica.

Talvez quem esteja envolvido em uma experiência de vida espírita no perfil hegemônico que se espalha por vários países, e principalmente, no Brasil, sequer utilize qualquer das terminologias acima e não sinta necessidade de questionar ou distinguir, pois é muito comum que não conheça outra maneira de praticar a vivência espírita, que não seja aquela indicada pelos centros que frequente.

Característica do religiosismo.

Salomão insiste em esmiuçar: “A expressão ‘espiritismo laico’ é tão imprópria como ‘espiritismo cristão’ ou ‘espiritismo religioso’, mas permite identificar as posturas decorrentes, na prática espírita, de uma ou de outra posição”.

Laicidade, mesmo sendo uma terminologia amplamente divulgada no vocabulário brasileiro, por questões ligadas aos interesses do poder religioso sempre foi relegada ao quarto do fundo, como uma habitante non grata da língua vernácula.

Se não dizer, muitas vezes significa dizer muito, temos no reverso uma supervalorização dos termos “cristão”, “religioso” e “evangélico”.

Em uma sociedade de valores caprichados sobre noções de bem e mal, cristianismo, religiosismo e evangelismo, ocupam os primeiros lugares quando as discussões com este teor são inflamadas. Onde ficará então, o laicismo?

Em sua raiz voltada a distinguir o que deve ser do Estado e o que pertence à Igreja, na defesa da liberdade de não receber influência religiosa, talvez o termo “laico” apenas consiga sugerir um ideal libertário quando ocupa um nicho no pensamento espírito progressista, que cultivas valores mais filosóficos e se abre à compreensão do próprio papel político.

Assim sendo, é justa a concordância com Salomão sobre ser uma expressão imprópria.

Mas o eixo muda quando o sentido ganha vigor: “O espiritismo laico e livre-pensador contrapõe-se ao modelo dominante de espiritismo religioso, cristão e/ou evangélico”, completa o articulista.

Não será novidade dizer que no Brasil o espiritismo recebeu muitos atravessadores, hoje tidos como referência a partir da experiência de fé e teor de comoção individual dos frequentadores de centros, por isso sempre é importante repetir que “Kardec classificava o espiritismo como ciência filosófica de consequências morais”, e talvez isso explique porque grande parte dos espíritas religiosistas  pouco saibam sobre Allan Kardec.

Ao desconhecimento junta-se o trabalho intencional da má fé, que também reproduz inverdades sobre o proceder dos espíritas não-religiosos. “Todavia, ser laico não é ser antirreligioso, nem ser ateu.” Afirma Salomão, e completa: “A religião é um fenômeno cultural da humanidade e, como tal, deve ser considerada”.

Contudo, o livre pensamento é o “galardão” do arbítrio! Doutrinar espiritismo na perspectiva de formar igrejas onde se aplicam passes e distribuem alimentos aos pobres no intuito de pactuar boa vizinhança com desencarnados ditos “obsessores” , não contempla a força que este possui enquanto mecanismo de instrução e fortalecimento do ser que se busca, na ontologia de uma espécie, entre mortes e renascimentos, descobrindo faces de si nas relações com os demais.

Outra vez concordamos, quando Salomão enfatiza: “A Laicidade é uma conquista civilizatória associada ao livre-pensamento”. Mas entendemos que esta conquista ainda é sub-aproveitada pelos espíritas, principalmente pelos que se tornaram repositórios dos medos em estado de preconceitos.

“É um equívoco confundir laicismo com materialismo”, mas este é apenas um reflexo de tantas outras confusões que foram intencionalmente semeadas, cultivadas e seguem mantidas no âmago da hegemonia febiana (referência à Federação Espírita Brasileira).

“Há uma ideia, equivocadamente difundida no meio espírita, por desinformação ou má fé, de que os espíritas laicos seriam ateus, materialistas, céticos, sem sentimentos e sem afetividade”, algo muito semelhante ao que resulta da mitologia política perversa sobre os comunistas, causando medo prévio naqueles que já se sentem rondados por obsessores cobrando faturas de vidas passadas, no meio religiosista.

Como nossa intenção é dialogar, e acreditamos nos processos de aprendizados através das experiências sociais, culturais, políticas e históricas, seguimos na esperança de fazer valer o livre pensamento na alegria de encontrar possibilidades de sermos e fazermos pessoas mais felizes.

Assim abraçamos Salomão Jacob Benchaya, que nos diz: “Felizmente, o movimento espírita, mais amadurecido, aos poucos se distancia do modelo hegemônico e imobilizante. Líderes e pensadores identificados com o genuíno projeto kardeciano compõem uma nova força que deverá impulsionar o espiritismo a assumir a sua verdadeira identidade e a se libertar das amarras religiosas para exercer o seu papel libertador junto à Humanidade”.

Assim seja.

Fonte: Afinal o que é espiritismo laico? (cepainternacional.org)

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