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Dialogando com Dora Incontri: Fundamentalistas no poder

Em seu artigo publicado no GGN, a jornalista, educadora e escritora Dora Incontri percebe situações importantes que merecem bastante atenção, por este motivo, resolvemos dialogar com seu texto.

Blog: O golpe de Estado aplicado na Bolívia, país vizinho do nosso, teve a participação maciça de religiosos evangélicos. Qual o risco desse envolvimento religioso no cenário político latinoamericano?

Dora: ” A foto de Luis Fernando Camacho invadindo o Palácio do Governo da Bolívia, de Bíblia em punho e invocando o nome de Deus; um trecho de um vídeo de partidários do golpe boliviano, orando de joelhos antes de irem atacar a população; e aqui no Brasil, em agosto, a visita de uma comissão norte-americana, liderada por um pastor, para evangelizar o Congresso Nacional e o Governo Brasileiro e a foto recente de presidente (sic) ajoelhado diante do líder da Igreja Universal Edir Macedo – tudo isso e tantos outros fatos nos põem em alerta: estamos retrocedendo séculos, com o avanço do fundamentalismo religioso. “

Blog: Acompanhando a trajetória do golpe na Bolívia, vimos confrontos nas ruas entre irmãos de pátria porque a maioria evangélica não aceitou o resultado democrático das urnas, que reelegeu Evo Morales. A bíblia como instrumento de força simbólica se tornou maior do que os princípios constitucionais e interesses coletivos. Por que isto ocorre?

Dora: ” Estamos voltando para antes das ideias iluministas, de tolerância religiosa, de separação do Estado e da Religião, de garantia do direito de pensar, crer e participar politicamente – ideias surgidas no Século XVIII – quando na verdade deveríamos já estar indo muito além do Iluminismo, em pleno século XXI. “

Blog: Como estudiosa do Espiritismo, como observa este momento político em nossa América?

Dora: “Do ponto de vista religioso, a fé é a crença em dogmas particulares, que constituem as diferentes religiões; todas as religiões têm seus artigos de fé. Desse ponto de vista, a fé pode ser raciocinada ou verdadeira. A fé cega nada examina, aceita sem controle o falso e o verdadeiro e se choca a cada passo contra a evidência e a razão; levada ao extremo, produz o fanatismo.” (Evangelho segundo o Espiritismo).

” Ora, aí está uma boa e atual descrição: a fé cega, violenta, fanática, não distingue o falso do verdadeiro (por isso temos hoje terraplanistas, negadores do aquecimento global, contestadores de dados científicos). Essa mesma fé cega está a serviço de interesses financeiros locais e internacionais. No caso, a evangelização fanática dos neopentecostais desde há várias décadas tem sido o braço colonizador do império do norte, planejado e executado minuciosamente, e agora ele se faz explícito, apoiando golpes de Estado na América Latina, e servindo ao intervencionismo norte-americano. “

Blog: Existem possibilidades de melhoras para esta situação?

Dora: ” De fato, como educadora, não vejo saída para o Brasil, para a América Latina, para o mundo, sem um processo maciço, engajado – que fosse uma espécie de mutirão permanente de professores, intelectuais, artistas – de educar o povo, conscientizando-o de seus direitos sociais e políticos, ensinando-o a pensar por si mesmo, imunizando-o contra exploradores da fé, da política, das finanças. Mas é preciso saber falar com o povo. Muitas vezes, intelectuais e artistas, professores universitários e pesquisadores falam apenas para seu próprio círculo. Não têm linguagem acessível, não sabem captar a atenção e explicar com clareza aquilo que realmente importa. “

Blog: Essa mistura de religião com Estado, em caráter histórico, interfere na vida das pessoas mais do que elas percebem…

Dora: ” Durante mil anos, tivemos no Ocidente a Igreja Católica, que fazia esse papel colonizador, de manter as massas na ignorância, reservando para si a cultura e as riquezas, em conluio com os poderes monárquicos e feudais. A partir de 1500, com a advento da Reforma protestante, a Igreja perdeu a hegemonia – embora ainda continuasse ao lado dos poderosos, abençoando canhões e apoiando guerras –  e 500 anos depois, temos um Papa que, seguindo a trilha do Vaticano II e da Teologia da Libertação, finalmente reconhece alguns dos erros históricos do passado católico e se coloca ao lado dos indígenas, dos pobres e dos explorados do mundo. Mas há 500 anos, começou a fortalecer-se o poder protestante, que não é centralizado, mas se alinha com o capital em ascensão. “

” Como sou evolucionista, tenho certeza de que a história avança sempre. Mas como sou anarquista, tenho convicção de que temos de fazer a história.”

Leia o texto de Dora Incontri na íntegra

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