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Destino do Fecoep se arrasta na Justiça; Governo resiste em bancar projetos contra pobreza

O destino de parte das verbas do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecoep)- R$ 84 milhões- durante a pandemia, para os alagoanos em situação de miséria, virou uma briga judicial entre Governo e entidades não-governamentais, que querem o dinheiro indo para além da distribuição de cestas básicas, investido em projetos.

A ação civil pública é movida pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares (Cedeca).

Só que a Justiça anda a passos de tartaruga, diante de uma questão tão grave e complexa, cuja demora para encontrar uma solução custa a vida de milhares de alagoanos: negou a antecipação de tutela da ação do Cedeca e intimou o Estado para que, em 30 dias úteis, ofereça contestação, informando ainda se tem interesse em conciliar, além, é claro, de produzir provas sobre o destino dos milhões do fundo.

Ou seja: nem tão cedo o assunto será decidido, pelo menos na Justiça.

Se esta ação estivesse valendo na prática, o Governo seria obrigado a construir uma proposta de erradicação da miséria em Alagoas, plano que vem sendo cobrado, por exemplo, pela deputada estadual Jó Pereira.

Ao contrário do que se poder ver, o dinheiro do Fecoep é aplicado de forma irregular, exatamente pela falta de um plano contra a pobreza. Em 9 de junho, por exemplo, agricultores suspenderam as entregas diárias do Programa do Leite, mantido com recursos do fundo. Três mil agricultores familiares estavam há 5 meses sem receber o pagamento. A maior parte dos recursos (75%) do Programa do Leite é federal. E o restante é contrapartida alagoana.

Argumentos
O Fecoep é abastecido com 2% do ICMS que Alagoas arrecada. Segundo o Cedeca- usando dados do portal Transparência- do dinheiro que vem sendo aplicado pelo fundo, sobram exatos R$ 84.049.735. É esse valor que a organização não-governamental quer que seja aplicado para as pessoas vítimas da pandemia e em extrema pobreza.

O Governo justifica: os recursos do fundo estão indo para a construção e manutenção de hospitais. Leva em conta que 90% dos alagoanos dependem do SUS- por isso, precisam de leitos hospitalares, em especial na pandemia, e, principalmente, leitos de UTI.

A lotação dos leitos de UTI é critério adotado em todo o país para decisões que afrouxam ou endurecem medidas sanitárias adotadas pelo poder público.

O Consórcio Nordeste, por exemplo, recomenda: se a lotação das UTIs ultrapassar 80%, cidades devem apertar as medidas de isolamento social.

Do contrário, pode faltar leitos de UTI para quem precisar e os médicos serem obrigados a decidirem quem deve viver ou morrer, porque não haverá leito para todos os que precisarem.

As entidades, porém, dizem que a decisão de aplicar parte dos recursos do fundo em saúde é desviar a finalidade do Fecoep, criado para retirar todas as pessoas da miséria.

O “mentor” do fundo, o ex-governador Ronaldo Lessa (PDT)- hoje pré-candidato a prefeito de Maceió- critica a decisão do governador Renan Filho (MDB) sobre aplicar o dinheiro em hospitais. “Foi um dos motivos de minha saída da administração estadual”, revelou.

“Tem que ver se o Fecoep pode construir e manter os hospitais. Existem dúvidas nas duas questões”, afirma o deputado Davi Davino. Para ele, é uma incógnita saber até quando o Governo vai conseguir arcar com a construção e os custos dos novos hospitais, com as verbas do Fecoep.

O pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro, diz que a montagem atual do Fecoep na pandemia humilha exatamente quem deveria receber tratamento especial pelo Estado. “Não queremos esmolas, não queremos migalhas. Cesta básica, com todo respeito, é esmola”, diz.

No meio disso, os números. Segundo dados do IBGE, Alagoas é o segundo Estado com maior percentual de pessoas em situação de pobreza, ficando atrás apenas do Maranhão. São 570 mil pessoas em situação de pobreza extrema. 1/3 da população estadual.

Situação que piora na pandemia do novo coronavírus. Depois dos bairros mais ricos em Maceió liderarem o contágio e a morte por Covid-19, agora são as áreas mais pobres que preocupam.

Em Maceió, Benedito Bentes e Vergel do Lago encabeçam as mortes. O que existe em comum entre eles: o saneamento básico não atinge todas as casas e ruas. Boa parte da população não tem água encanada e sabonete suficientes para lavar as mãos várias vezes ao dia, uma das medidas sanitárias fundamentais no combate ao vírus.

A população de rua é mais pobre ainda que o mais pobre dos alagoanos. Desde 2009, segundo o Movimento Nacional do Movimento de População de Rua em Alagoas, não há contagem oficial das pessoas nestas condições. Números conservadores indicam que, em Maceió, existem 4 mil pessoas que se enquadram neste contexto. Os equipamentos específicos destinados a este público funcionam de maneira precária e em pequeno número.

“Não somos invisíveis porque não nos calamos e provocamos o poder público”, diz Rafael Machado, coordenador Nacional do Movimento de População de Rua em Alagoas. Ele também é membro do Conselho Estadual de Assistência Social.

“Parece que essa pandemia veio para mostrar não só a exclusão social mas para mostrar a falta de políticas públicas para as pessoas mais vulneráveis”, diz.

Para ele, quando o Governo defende que parte dos recursos do Fecoep seja destinada para a construção e manutenção de hospitais, mostra é para mostrar que “não existe compromisso com a população de rua, sempre marginalizada pela sociedade”.

“Trabalhar com pessoas em situação de vulnerabilidade ou de rua não é fácil. Precisa de capacitação e preparação. São pessoas que possuem diversas situações de vida, diversas histórias, rompimento de seus vínculos. Mas isso também aponta como o Governo é irresponsável por não ter equipamentos sociais e públicos para atender esse pessoal”, afirma.

No fim das contas, o Fecoep, que deveria buscar políticas públicas para garantir a sobrevivência a curto, médio e longo prazo destes alagoanos, também inviabiliza os moradores das ruas.

E vem o efeito-dominó. Sem acesso a saneamento básico, um rebanho de pessoas sem o auxílio emergencial e sem o dinheiro do fundo contra a pobreza, os mais pobres são obrigados a saírem de casa, para trabalhar ou arranjarem bicos, em busca de dinheiro.

Se ficarem doentes, eles não procuram os postos de saúde porque nos postos o quadro da pandemia é bem pior.

Cabo de guerra
O vice-governador Luciano Barbosa (MDB) defende que o fundo siga sua função atual: bancar a abertura e manutenção dos hospitais. Justifica: “O SUS é o plano de saúde do Nordeste”.
E como 90% da população alagoana depende do SUS e “nenhum hospital em Alagoas seria viabilizado sem o SUS”, o alagoano “só tem acesso à saúde se ela for pública, do contrário vai morrer”

Criador do fundo, quando era governador, Ronaldo Lessa diz que o dinheiro do Fecoep não é usado para manter os hospitais que estão sendo construídos, e sim para construção.

“Ele [o Governo] não bota dinheiro na manutenção [do hospital]. Ele bota dinheiro na estrutura, no prédio, no equipamento. Eles também colocam dinheiro para os dependentes químicos, que não é papel do Fecoep. Não que não seja importante, mas neste caso o dinheiro deve vir de outro canto”, explicou Lessa, revelando ter saído do Governo Renan Filho (era secretário de Agricultura) porque discordava da forma como o investimento do fundo estava sendo conduzido.

“Esse foi um dos motivos de minha saída do Governo: fui contra essa proposta. O papel do Fecoep é combater a pobreza e erradicá-la, com projetos. Inclusive poderia se complementar a renda destas pessoas [na pandemia]”.

Pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro, diz que, nas condições atuais, o Governo admite estar fazendo pedalada fiscal com o fundo.

“Uma presidente da República foi derrubada com o argumento de que houve pedalada fiscal em seu mandato. Depois, quando o golpista Michel Temer assumiu, o Congresso deu um jeito de transformar o que meses atrás não era correto em lei”, explica.

E segue o raciocínio: “Se você tem um dinheiro carimbado, resultado dos nossos impostos, e para o combate à miséria, à fome”, explica o pastor.

Segundo ele, os 570 mil alagoanos abaixo da linha da pobreza não estão nesta condição “porque gostam de estarem assim ou são aventureiros sociais”: “Essa miséria é produzida, é proposital. A pandemia surgiu de março para cá em Alagoas. Porque daqui a pouco todo o dinheiro não aplicado na educação, na saúde, no salário dos professores, na merenda escolar será justificado por conta da pandemia”.

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