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Desemprego e produtividade

José Marcio Camargo- Estadão

Com a taxa de desemprego nos menores níveis desde 2003, o aumento dos gas­tos com seguro-desemprego chamou a atenção para uma anti­ga disfunção do mercado de traba­lho brasileiro: a demanda por seguro- desemprego cresce com a queda da taxa de desemprego.

Esse comportamento é totalmen­te inesperado. Primeiro, porque uma redução da taxa de desemprego significa menos trabalhadores de­sempregados. Portanto, deveria re­duzir a demanda por seguro-desemprego. Segundo, porque uma taxa de desemprego menor diminui o incen­tivo para que as empresas demitam trabalhadores, por três razões.

Primeiro, porque menor é o número de trabalhadores disponíveis no merca­do e, logo, menos opções têm as empre­sas para substituir o trabalhador demiti­do. Segundo, porque os trabalhadores mais produtivos tendem a ser emprega­dos antes dos trabalhadores menos pro­dutivos – assim, quanto menor a taxa de desemprego mais difícil é encontrar trabalhadores com produtividade igual à dos que são demitidos. E, finalmente, porque a relação entre o salário de con­tratação e o salário de demissão aumen­ta quando a taxa de desemprego dimi­nui, aumentando o custo de substituir o trabalhador demitido.

Os indícios são de que, por alguma razão, quando a taxa de desemprego diminui as empresas se veem na contin­gência de demitir com maior frequên­cia, mesmo não querendo fazê-lo. Mas como isso pode ser possível se a empre­sa tem, em geral, mais poder de merca­do que o trabalhador?

Felizmente, os trabalhadores sabem fazer conta e estão sempre pensando em formas de aumentar sua renda e seu bem-estar. Como, ao ser demitido, o tra­balhador brasileiro ganha um “prêmio” em dinheiro, quanto menor a taxa de de­semprego menor a relação custo/benefí­cio do trabalhador ao ser dispensado.

Primeiro, o trabalhador tem acesso ao Eundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Gomo o rendimento do FGTS é menor do que o da poupança e, muitas vezes, negativo em termos reais, acesso antecipado significa um bom ganho para o trabalhador. Segundo, recebe uma multa de 40% sobre o valor de seu FGTS. Terceiro, tem direi­to a aviso prévio proporcional ao tem­po de serviço – em geral, com dispensa do trabalho. Quarto, o trabalhador, muitas vezes, busca um emprego sem carteira assinada enquanto recebe se- guro-desemprego, o que significa al­guns meses de complementação sala­rial. Por fim, o trabalhador pode entrar na Justiça do Trabalho e demandar o pagamento de direitos que o emprega­dor não tenha honrado durante a rela­ção de trabalho.

Gomo quanto menor a taxa de desem­prego mais fácil é conseguir um novo emprego, menor é o custo de ficar de­sempregado e melhor a relação custo/ benefício entre o “prêmio” e o custo por ser demitido. Com isso, o trabalha­dor pede para ser demitido (fazendo, acordo com o empregador e devolven­do a multa de 40% sobre o FGTS) ou força sua demissão. Daí a bizarra rela­ção entre taxa de desemprego e evolu­ção do seguro-desemprego.

As conseqüências de longo prazo des­se comportamento vão além do custo fiscal de pagar mais seguro-desemprego. Gomo os empresários antecipam es­se comportamento, não investem em treinamento e qualificação dos traba­lhadores. Esse investimento é automa­ticamente apropriado pelo trabalha­dor. E uma das razões pelas quais as empresas brasileiras investem tão pou­co em seus trabalhadores. O resulta­do é baixo crescimento (ou queda) da produtividade do trabalho.

Por outro lado, quanto mais quali­ficado o trabalhador maior é a eleva­ção da renda à medida que ele enve­lhece, pois maior é o investimento em capital humano nele incorpora­do. Portanto, para trabalhadores qua­lificados, o ganho de renda no longo prazo – caso ele permaneça na mes­ma empresa – é maior do que o “prê­mio” por ser demitido, diminuindo ou, até mesmo, eliminando o incenti­vo descrito acima. Como resultado, as empresas, quando decidem inves­tir em seus trabalhadores, concen­tram esses investimentos nos traba­lhadores mais qualificados, acen­tuando a desigualdade salarial.

Este é apenas um exemplo de co­mo a legislação trabalhista brasileira é prejudicial aganhos de produtivida­de. Sem inverter esses incentivos, é difícil ter uma indústria competitiva.

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