Entre Alagoas e Pernambuco há milhares de transformações na paisagem e a expressão dos efeitos da atividade humana no desenvolvimento histórico destes diferentes lugares. A teia de relações sociais e econômicas criaram os diferentes sujeitos nas searas dos sentidos que a vida laboral materializou em suas existências.
Nas Alagoas, o predomínio da atividade canavieira configura o incômodo da uniformidade secular daquele verde que transforma o solo em terra opaca e sem viço. Poucas casas nas paisagens rurais denunciam as mãos dos poucos donos que cercam suas terras com as cercas do poder. O terreiro dos ricos da cana é lugar de padecimento dos pobres, o lugar onde a força própria das articulações e músculos humanos desatinam em dores após o dia inteiro de trabalho com os braços.
O cansaço opera cumprindo seu papel na organização provinciana dos interiores do norte. As casas precárias esperam seus donos que mesmo cansados abrem o sorriso para a vida ao ver que as taipas estão se transformando em tijolo de argila. Aqui ergue-se no peito o orgulho e a certeza de que algo ainda vale a pena.
Se aproximando de Pernambuco a paisagem muda. Subo as ladeiras que cortam o planalto da Borborema para chegar a um destino e os horizontes me apresentam menos cana-de-açúcar e em seu lugar uma terra que brota bananas prata e cumpridas, macaxeira, laranja e palmas.
As divisões das pequenas porções de terra agora tinham casas e em volta delas as plantações de macaxeira retratavam a fartura dos meses futuros. As casas eram pequenas, é verdade, mas eram todas adornadas com antenas parabólicas e de internet. Ao longe era possível ver hélices que, ao sabor do vento, geravam energia limpa para as populações. As feiras estavam coloridas com a abundância da terra e o povo comprava e vendia os frutos que produziam.
Talvez eu devesse ignorar as condições do homem em cada um dos lugares que citei e passei. Talvez não perceberia como tudo mudou na paisagem, assim como a certeza de que cada um desses homens tem suas peculiaridades e diferenças. Um é dono de sua terra e planta com os seus para a sobrevivência. O outro, porém, trabalha para um doutor que o título é herança de nome e sua legitimidade social é construída pelo poder sobre a terra.
Se pudéssemos observar mais de perto as diferenças desses homens veríamos que os sorrisos eram diferentes e os orgulhos também. Que as perspectivas eram divergentes a partir do momento que um, ao terminar o moer da cana, iria para casa tomar um gole de cachaça e dormir. O outro, após sua jornada de diária, sobraria um pouco de tempo para deitar com os filhos e assistir televisão ou atualizar suas redes sociais.
É neste território de diferenças e contradições que o conteúdo libertador deve atuar. Nas vias que ligam trabalho, sentido e dignidade. Os esforços da Psicologia até os dias atuais não chegaram, ainda, ao trabalhador da cana de Alagoas. Aos sofríveis lugares do melaço.
A mesma delicadeza precisamos ter ao olhar as cidades. Maceió, por exemplo, desenha os trancos e barrancos de uma região metropolitana dividida em uma organização ora moderna, ora arcaica.
O arcaísmo maceioense encontra-se nos emaranhados excludentes e opressores que circundam espaços de ricos e pobres. Estes últimos são aqueles que tem seu modo de vida constantemente modificados pela dinâmica de um turismo que foge aos laços comunitários, aos fazeres do povo. Louvam o sururu e a peixada do Pontal da Barra, mas solapam o povo da lagoa com os dispositivos reprodutores da miséria.
A burguesia local exala repulsa pela própria cidade e utilizam o espaço público para abrir fendas na dignidade alheia ditando quem deve ou não frequentar os locais dos “de cima”.
Aos “de baixo” qual Psicologia sobra?
Se temos tentado produzir uma Psicologia da Libertação em Alagoas, talvez precisamos renovar nossas posições e produzir uma nova práxis. Aquela que só é possível superando a Psicologia da Dependência. E evidenciando o contexto dos diferentes atores sociais no local de suas atividades.
Compreendendo a relação dialética entre ambiente, trabalho e sentido, compreenderemos, com perspicácia, as dificuldades dos homens e os entraves em seu caminho para a libertação.
A linguagem das Alagoas é aquela que fundamenta a pouca mobilidade social e uma cultura aristocrática, produtora de pobreza e ceifadora do desenvolvimento pleno dos trabalhadores.
A qual discurso servimos?