A COP30 deve ser um divisor de águas nas negociações mundiais para desacelerar o aquecimento global, com maior comprometimento dos governos nacionais, engajamento de grupos econômicos nas oportunidades da descarbonização e aumento da pressão política mundial pela transição energética. Diante do recuo do governo americano, outra tendência é que a China se consolide no encontro mundial em Belém, em novembro, como uma das lideranças da nova economia. Esses foram pontos de destaque dos especialistas convidados pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) para a primeira mesa redonda sobre as perspectivas da COP de Belém.
Com participação dos especialistas Jorge Arbache, Natalie Unterstell e Thelma Krug, o encontro, segunda-feira (28/04), ressaltou a larga via de oportunidades econômicas aberta pela agenda do clima. Esse caminho aponta para o desenvolvimento sustentável e justo ao mesmo tempo em que atua pela descarbonização para cumprir o compromisso do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5°C. A mediação foi da líder em Estratégias Internacionais Sênior do iCS, Cintya Feitosa. Os especialistas se disseram otimistas em relação aos resultados da conferência, embora reconheçam dificuldades criadas pelo recuo dos Estados Unidos sob Donald Trump.
*Implementação com apoio da ciência*
Líder do Conselho Científico da COP30, a pesquisadora em ciências da Terra e mudanças climáticas Thelma Krug ressaltou que a ciência tem mostrado que os esforços já feitos ainda não colocaram o mundo na trajetória de limitar o aumento da temperatura global em um nível que minimize os impactos das mudanças do clima. Mesmo assim, a ex-vice presidente do IPCC se disse otimista com os possíveis resultados da COP30.
“Saímos daquela fase de construção das regras e estamos agora voltados para a implementação, que está sendo demonstrado claramente pelo Brasil como sendo fortemente apoiado pela ciência. Isso nos leva a crer que o Brasil será sim capaz de fazer a virada que o presidente da COP, o embaixador André Corrêa do Lago, mencionou, além de estimular o mutirão que citou em sua primeira carta oficial. Ou seja, trazer a sociedade civil, o setor privado”, afirmou a cientista.
Thelma Krug lembrou, no entanto, que não se deve esperar que a COP30 resolva todos os problemas. “As COPs são muito complexas, são decisões por consenso. São 196 países tentando encontrar uma linguagem, tentando chegar a uma decisão que leve em consideração toda a heterogeneidade que temos. Ou seja, não esperem que a gente vá conseguir resolver tudo no Brasil, porque isso não vai acontecer. Pequenos avanços já vão significar muito”, afirmou.
*Descarbonização como negócio rentável*
O professor de economia da UnB Jorge Arbache destacou ser necessário que os investimentos verdes sejam rentáveis, além de entregarem benefícios para as agendas climática e social. A saída recente de instituições, corporações e bancos de alianças globais da agenda do clima, segundo ele, aponta a necessidade de se dar um passo adiante. “Uma das formas de acelerar a descarbonização no nível global, que pode ter impacto tanto no custo como nos prazos, é a agenda de comércio internacional”, afirmou Arbache, ex-vice presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
“A agenda de comércio, na medida em que aloca muito melhor os recursos, permite que os custos sejam menores e os prazos, mais atrativos. Isso tudo pode ser favorável para os negócios e para os países que se beneficiam do comércio de bens e serviços mais verdes”, completou. Segundo o professor, os países emergentes deveriam acelerar a descarbonização e reduzir seus custos. Para isso, defende “uma visão global e das COPs de que comércio e investimento podem ser ferramentas fundamentais para descarbonização e toda a agenda de transição justa, com geração de renda, de empregos”.
*Belém como ponto de virada*
A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, afirmou que a COP de Belém será um sucesso “se conseguir mudar o ritmo e a escala da implementação do Acordo de Paris”. O risco, por outro lado, é o de “normalizar a lentidão, enquanto o planeta ferve”. Ela disse que as COPs nos últimos anos se tornaram processos confusos, com atrasos e com lacunas de ambição que foram reveladas pelo Balanço Global recentemente.
“As COPs hoje estão pouco conectadas à realidade das pessoas, especialmente dos mais vulneráveis, que estão sentindo já o que é viver no planeta mais quente”, analisou Natalie. “Para Belém ser um sucesso, a gente tem que considerar Paris como um ponto de partida e Belém como esse ponto de virada”, resume, ressaltando que as oportunidades são reais em várias frentes. “O mínimo que a COP precisa para ser um sucesso é não ser apenas uma celebração dos 10 anos do Acordo de Paris. Que seja uma COP transformadora, um ponto de virada, e que consiga endereçar a adaptação, a transição e os aspectos de governança que vão muito além da própria conferência”, completou.
*Recuo americano abre portas para a China*
Thelma Krug ressaltou que a China, embora não tenha demonstrado nas COPs ambição grande em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), está na prática realizando mais do que havia divulgado. A meta de instalação de energia eólica e solar em 2030 já foi alcançada, e vem sendo diminuído o uso do carvão. “Estão fazendo um esforço grande e deverão se tornar, em curto prazo, os líderes na transformação para as energias renováveis. Eles estão alinhados contra a mudança do clima”, disse.
“A China conseguiu a combinação perfeita de fazer do clima negócios fantásticos, fazendo uma descarbonização ampla e rápida”, reforçou Jorge Arbache. “O sacrifício é muito menor do que parece, pois estão ganhando muito dinheiro com isso, Estão liderando a agenda. Carros elétricos, baterias, painéis solares, as turbinas eólicas.”
Para Natalie Unterstell, a China vai ter um papel importante na liderança da agenda do clima. “Vemos a China sendo empurrada para a questão do financiamento, que ela já realiza de alguma forma. A China parece se mover para assumir os compromissos, rompendo uma tendência anterior de não se comprometer tanto com metas, como o Brasil se comprometia”, afirmou.