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Como a ditadura monitorava Chico, Caetano e outras estrelas da cultura

O escritor Antonio Callado e a mulher, Ana Arruda, foram os primeiros a serem detidos. Desembarcavam no aeroporto do Galeão, no Rio, no voo 861 da Varig, procedente de Nova York. O oficial de migração, ao identificá-los, comentou: “Eles chegaram. Agora só faltam os dois”.

As informações são da Folha.

Horas depois, os dois apareceram: Chico Buarque de Hollanda e Marieta Severo vinham escoltados por policiais dentro de uma Kombi cinza. Coincidentemente, o compositor e a atriz, vindos de Lisboa num voo da TAP, chegaram ao Rio pouco depois de Callado e a mulher.

Os casais se encontraram no subsolo do terminal. Estavam presos, “para averiguações”, sob suspeita de subversão.

“Marieta, sempre despreocupada, olhou para a minha cara e disse: ‘Logo você, que nem viajou para Cuba!'”, recorda Ana.

Marieta conta que a detenção era previsível. “Sabíamos que isso ia acontecer, já esperávamos pela polícia.”

O depoimento à Polícia Federal, ainda no aeroporto, durou mais de três horas. Chico e Callado tinham estado na ilha de Fidel Castro no mês anterior, em janeiro de 1978. As bagagens de ambos foram meticulosamente revistadas.

Callado teve a bainha do blazer rasgada — os agentes suspeitavam de eventuais mensagens ocultas no tecido. “Os charutos que ele ganhou de Fidel foram todos picotados, um absurdo”, lembra a viúva do escritor.

Chico trazia discos italianos e portugueses, livros e uma correia de violão com a inscrição “Cuba”. “Confiscaram praticamente toda a nossa bagagem”, confirmou o compositor à Folha, por e-mail, de Paris, onde passa férias.

Em busca de coisas escondidas, os policiais quebraram o braço da boneca da pequena Kadi, de quatro anos, que Ana e Callado conduziam de volta para o pai, o percussionista baiano Tutti Moreno.

Após responderem a um questionário com mais de 70 itens, geralmente aplicado aos exilados (que já começavam a voltar com os primeiros ventos da abertura política), Chico e Callado foram liberados.

Não sem mais uma convocação. “Fomos intimados para novo depoimento na semana seguinte, o Callado e eu, separadamente”, recorda o compositor.

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