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Com inflação não se brinca

Gustavo Loyola- Valor Econômico

Em documentos escritos e em declarações de seu presidente, o Banco Central (BC) vem subindo o tom no que diz respeito aos riscos inflacionários. Na ata da reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom), por exemplo, o BC observou que a inflação está mostrando resistência à queda e chamou a atenção para a possibilidade de a taxa inflacionária estar se acomodando em patamar mais elevado. Em vista disso, a autoridade monetária passou a sinalizar mais claramente a possibilidade de elevar as taxas de juros no curto prazo.

Ocorre que, a despeito dos alertas e da preocupação do Banco Central, o restante do governo, sistematicamente subestimando os riscos inflacionários, vem tratando a questão apenas com ações localizadas de desoneração de preços, como se a inflação não fosse um fenômeno disseminado e explicado por um evidente desequilíbrio entre a oferta e a demanda agregada. Como a distinção entre inflação e uma mera mudança de preços relativos não escapa sequer a um primeiranista de economia, é de se supor que algo mais está por trás da obsessão do governo pela gestão pontual do IPCA, como recentemente mostrado na desoneração da cesta básica.

A questão parece residir na armadilha que o governo construiu para si mesmo ao erigir a queda das taxas de juros ao status de “grande realização da administração Dilma” e alçar a expansão do crédito por meio de operações subsidiadas como objetivo maior a ser perseguido no curtíssimo prazo pelos bancos oficiais. Com isso, criou-se uma situação de constrangimento para o Banco Central, pois uma elevação da taxa básica de juros – que necessariamente teria reflexos sobre as taxas das operações ativas dos bancos no segmento do crédito livre – poria em dúvida a credibilidade do discurso de queda dos juros alardeado por diversas autoridades do governo nos últimos meses.

Há nos próximos meses uma janela de oportunidade para uma correção de rumo que não deve existir em 2014

Além disso, o desencadear prematuro da campanha para as eleições presidenciais de 2014 conduz a uma política econômica míope em que os objetivos de curtíssimo prazo prevalecem sobre considerações de médio e longo prazo. Em vista disso, busca-se evitar a todo custo uma restrição monetária que possa acarretar efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e, com isso, prejudicar a popularidade do governo e da presidente junto aos eleitores.

Dessa maneira, resta ao governo insistir na veleidade de controlar a inflação com ações pontuais sobre determinados preços na economia, por meio de desonerações e controle dos preços administrados. Contudo, tal política tem pernas curtas, já que o fôlego das desonerações é limitado, sendo inevitável chegar-se a um momento em que o governo terá que lançar mão de expedientes de eficácia ainda mais duvidosa, como é o caso dos acordos de preços (normalmente turbinados por concessões tributárias ou creditícias); manipulação das alíquotas dos impostos de importação e exportação, etc. Cria-se uma verdadeira marcha da insensatez, com o governo intervindo cada vez mais na economia, utilizando de instrumentos cada vez mais grotescos.

Parece que nada se apreendeu com o desastre inflacionário que atingiu o Brasil por mais de três décadas e que não foi evitado por políticas assemelhadas às hoje adotadas pelo governo Dilma. Nas décadas de 1970 e 1980, fomos pródigos no uso de mecanismos de controle de preços, seja explicitamente por meio de repartições especializadas como os famigerados CIP e SUNAB. O zelo dos burocratas que trabalharam nesses órgãos, obviamente, não foi suficiente para deter a aceleração contínua dos preços, somente contida com o Plano Real, em 1994. Daí, ser difícil extrair racionalidade econômica na predileção do governo atual por uma política de gerenciamento dos índices de preços, ao invés do uso dos tradicionais e mais eficazes instrumentos de controle da demanda agregada.

Nesse contexto, a situação enfrentada no momento pelo Banco Central está longe de ser trivial. É certo que ainda há tempo para se restaurar a racionalidade na política econômica e evitar que a inflação suba de patamar e turbine ainda mais os mecanismos de indexação que nunca deixaram de estar completamente ausentes da economia brasileira. Porém, o Banco Central estará sozinho nessa empreitada, considerando a instância cada vez mais expansionista da política fiscal e a insistência na política de subsídios creditícios por parte do BNDES à custa de abundantes recursos do Tesouro. Por outro lado, a falta de blindagem legal para a diretoria do Banco Central complica ainda mais as coisas, pois a autonomia da instituição fica totalmente dependente da vontade da presidente da República.

Apesar disso, o BC não pode fugir de sua obrigação como autoridade monetária. Cabe a ele, mais do que a qualquer outro órgão da administração federal, chamar a atenção para os riscos da leniência com a inflação e agir com presteza para evitar que o mal se alastre. Há nos próximos meses uma janela de oportunidade para uma correção de rumos que provavelmente estará ausente em 2014. Sendo assim, espera-se que o BC passe das palavras à ação e traga, com isso, algum grau de racionalidade à política macroeconômica. A inflação precisa ser atacada com vigor e com armas adequadas para evitar que ocorram danos ainda maiores ao crescimento econômico.

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