Coaracy Fonseca: O outro que existe em você

Coaracy Fonseca é promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça

Hoje o pavor parece tomar conta de segmentos importantes da sociedade brasileira.

O silêncio é mantido pelo instinto de preservação, apesar do vozeio que vem do átrio, do estrépito do mundo. O nosso País segue mudando bruscamente.

O falar pode significar o último bocejo, o encontro com a perseguição e a morte social: CPF cancelado.

Por isso, como acontecia na infância, pensa-se que ao esconder-se a cabeça por detrás da cortina, mesmo com o corpo à mostra, o perigo deixa de existir.

Há em curso no Brasil um movimento que busca por hegemonia, com a substituição de valores que sempre nos fizeram crer que era nosso o dever de legar aos pósteros um mundo melhor e mais acolhedor.

Tudo isso não tem nada a ver com a velha discussão entre esquerda e direita, conceitos muito pouco compreendidos.

O caminho que procuram ladrilhar é extremamente cruel para os mais fracos, talvez não lhes reste sequer a liberdade, um direito natural.

A igualdade é uma conquista legal, não se encontra no estado da natureza, no qual o medo, o angustiante medo, acompanha as espécies que buscam sobreviver. O predador pode estar à espreita.

Observo o agito de uma concepção errônea do capitalismo, da livre iniciativa e do livre comércio.

O Brasil, desde o Império, sempre foi capitalista, com alguma concessão ao estado social, o SUS é um grande exemplo, decorrente da Carta da República de 1988, que pode mudar.

Vejo, não sem preocupação, que a apropriação da máquina estatal, por completo, é um passo decisivo para um segundo momento: a implantação de um regime força.

Nesse passo, prefiro não adjetivar ou conceituar, pois os conceitos não se amoldam como uma luva à realidade cambiante.

A estratégia?

Para tanto, é preciso semear a dúvida sobre pessoas e instituições; gerar fatos desagradáveis, que serão repercutidos pela imprensa; enquanto um novo Estado é construído sem zumbido ou ressonância nos bastidores das instâncias competentes.

Mas apenas isso não é suficiente. É preciso criar um estado de “guerra” permanente, semear a discórdia entre irmãos, sem nenhuma tolerância à crítica.

Quando um país está em “guerra”, metaforicamente, não há espaço para a reflexão, o instinto de sobrevivência fala mais alto.

É preciso viver o agora. Só que após o agora vem o depois, que pode ser muito dorido.

Os sinais estão à vista para quem ousa lobrigar e tirar conclusões.

Espaço não há para discorrermos sobre as Escolas de Frankfurt e de Chicago.

O nosso Brasil é mestiço e não cabe num quadro teórico. Daí a sua inigualável beleza. Mas suas instituições são frágeis.

Finalmente, é preciso pensar no outro, para que amanhã ele não venha ao seu encontro, prenhe de revolta, se conseguir ultrapassar por uma milícia qualquer.

Por derradeiro, o “Trem Noturno para Lisboa”, está no YouTube, pode ser uma boa opção para o final de sábado ou domingo. A película tem muito a nos ensinar sobre a vida, sobre a dor e, para os românticos, algo sobre o amor.

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