Coaracy Fonseca é promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça de Alagoas
Conta-nos a literatura que um importante advogado, às vésperas de um Júri bastante complexo, foi procurado por um cidadão, idoso, que dizia ser conhecedor dos fatos.
Apresentou uma versão favorável ao cliente do causídico, fato que o deixou animado e tomado de desconfiança. Preferiu não pedir o depoimento daquele senhor e foi verificar os fatos.
Constatou que não eram verdadeiros, pois o campo de visão da pretensa testemunha não existia, era uma “prova” plantada.
Indagado por um colega sobre o porquê da negativa afirmou que para construir uma boa prova era preciso gastar muita sola de sapato, por isso que raramente perdia uma causa.
Há alguns dias, li uma crônica do Jornalista Odilon Rios sobre o caso do professor Alysson Mascaro.
O renomado Jornalista levantou pertinentes questões sobre a conduta da imprensa diante das acusações baseadas em “provas” colhidas no meio virtual.
Hoje vivemos uma época da estratégia do cancelamento, o assassinato de reputações. A politicagem e as fake news invadiram os pretórios. A prova digital, por sua vez, é um dado frágil e de fácil adulteração.
No nosso Direito não existe um regramento próprio sobre tal elemento de informação, trata-se de prova atípica e deve ser produzida de acordo com regras técnicas, cujos aportes são buscados na tecnologia da informação.
O seu suporte não é material como os documentos do direito clássico, é uma sequência BITS.
No caso, o jurista deve ser cauteloso e seguir as regras técnicas para obtenção da prova, dando especial atenção à cadeia de custódia.
Por outro lado, a visão clássica de que o destinatário da prova é o juiz, como sujeito soberano, tem sido revisitada pelos processualistas, sob o prisma constitucional. A decisão do juiz sobre a valoração da prova deve ser objetivamente controlável.
Deve ser consistente, coerente, congruente e devidamente motivada, pois é lançada para além das partes, deve convencer a comunidade na qual se encontra inserido. Deve levar em conta os argumentos de ambas partes, sob pena de malferir o contraditório e se despir de sua legitimidade democrática, pois não é eleito pelo voto popular.
Mas, diante das complexidades, a postura filosófica sobre a prova não pode ser desprezada, principalmente no processo penal, que para a condenação exige um standard acima de qualquer dúvida razoável.
Pouca gente sabe que antes do processo não existe prova, mas elementos de informação, exceto as irrepetíveis, como o exame cadavérico. A prova nasce do contraditório.
Contudo é importante perquirir: a prova é válida em razão do consenso da comunidade jurídica ou como reconhecimento da verdade no mundo dos fatos?
O consenso sobre um fato pode ser produzido pela mídia, mesmo que não corresponda a verdade dos fatos. Em geral, tal visão vem atrelada à celeridade da resolução dos conflitos no mundo jurídico, mas à custa da condenação de inocentes.
A prova como reconhecimento da verdade busca aproximar o objeto da prova da realidade, mesmo que a exatidão seja impossível, prefere-se previnir a condenação de inocentes, não obstante eventuais culpados sejam absolvidos.
A segunda posição é mais condizente com o Estado Democrático e garantidor dos direitos fundamentais. Dele emerge a proibição das provas ilícitas, o contraditório, dentre outras garantias.
Hoje vivemos uma luta de bastidores entre essas duas visões de mundo com o recrudescimento de posicionamentos extremistas no Parlamento Nacional.
A imprensa deve cumprir o seu papel de informar e possibilitar ao cidadão formar opinião e desenvolver a sua personalidade, mas precisa se acautelar para não destruir reputações.
Como tenho afirmado, com base em clássico autor, quando a política entra pela porta da frente a justiça sai pela janela.
Os agentes estatais, por exemplo, têm o dever da verdade, mas não são poucas as mentiras espraiadas à imprensa.
A notícia veiculada no jornal é carreada aos autos do processo e passa a povoar a internet.
Como o julgador de instância superior (STJ e STF) não analisa testemunhos, documentos e perícias, ler, no entanto, o jornal e clica o Google, os agentes articuladores, em conluio, atingiram o seu objetivo, surge a pré-compreensão.
Para mim, por ora, Mascaro é vítima de seu ideário político e de sua pujança intelectual.
O que foi veiculado pela imprensa, até o momento, não é prova.
No entanto, o professor deve se precatar contra os ventos da política que, no Brasil, não tem respeitado as boas conquistas do processo civilizatório, vivenciamos um retrocesso sem precedentes.
Por amor ao argumento, há uma emenda constitucional que busca retirar das mulheres um direito concedido em 1941, por um Código Penal de inspiração fascista: o aborto legal.
Mussolini foi menos cruel!