Coaracy Fonseca escreve: O caso Dreyfus sob o olhar de um promotor de Justiça I

Coaracy Fonseca é promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça de Alagoas

Nos idos de 1894, o capitão Alfred Dreyfus foi preso e condenado na França, sob o fundamento de alta traição.

O Estado Maior do Exército Francês o acusou, com base em um simples documento, de haver repassado informações sigilosas aos alemães.

Dreyfus foi elevado à condição de inimigo da pátria, objeto do ódio da extrema-direita, sob o rótulo de nacionalistas.

As pessoas do povo desconhecem, por completo, o funcionamento do sistema de justiça criminal.

Acreditam cegamente na fala oficial. Não foram educadas ao exercício da crítica republicana e, assim, repetem os mesmos erros, perpetuam a miséria em vários níveis.

Por isso, em textos breves, faremos a análise dos seus meandros, tendo como foco o caso Dreyfus, que está dentre os maiores erros judiciários da história universal.

Neste texto, iniciaremos com uma assertiva de Václan Havel: “ O poder necessita forjar, pois é prisioneiro de suas próprias mentiras. Ele forja o passado, o presente e o futuro(…). Ele forja dados estatísticos. Ele forja que não dispõe de um aparato policial onipotente e capaz de tudo; ele forja que respeita os direitos humanos; ele forja que não persegue ninguém; ele forja que não tem medo; ele forja que não forja nada (…).”

Tal afirmação deve ser recebida com temperamentos. Serve de alerta para a necessária reflexão sobre o monopólio da fala nos sistemas totalitários.

Ainda no Brasil continental existem estados que não ultrapassaram o período colonial.

São dominados por oligarquias patrimonialistas, que fazem a sua própria (j)ustiça.

No contexto, seguindo uma linha sequencial, iniciaremos pelo poder de acusar.

Explico.

A acusação é um poder que exige seriedade, compromisso com a verdade e uma análise aguda do material produzido no transcurso da investigação que a precede.

O imputado, obrigatoriamente, deve ser ouvido e apresentar sua versão dos fatos, pois a denúncia é um projeto de sentença condenatória.

Quando o acusador é servil ao poder político e econômico, ou age na busca de benefícios pessoais, ele não precisa de elementos de suporte para a oferta da denúncia, ele simplesmente a apresenta irresponsavelmente.

Dreyfus foi uma vítima do poder acusatório aparelhado pelos donos do poder, pois o “documento” não era digno de ser qualificado como prova.

A defesa do acusado de alta traição não teve oportunidade de refutá-lo.

Dreyfus era judeu, uma vítima ideal, à época, para o sistema de justiça, assim como aqueles que contestam o sistema colonial e coronelista de alguns estados atrasados do Brasil.

Realizando um paralelo com o nosso País, tudo começa pelo Código de Processo Criminal do Império, que transfere ao poder executivo “o controle sobre a administração da justiça criminal (o inquérito), com fins político-eleitorais”, ensina Gomes Filho.

Até breve.

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