Coaracy Fonseca escreve: Naquele jardim, quis vê-la por um instante

Coaracy Fonseca é promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça

Não era um sentimento de déjà-vu, pois, reiteradamente, havia visto e passado por aquele lugar muitas vezes na infância.

Buscava o resgate de algo que existia em mim, muito forte, porém em estado de dormência, adormecido: uma sensação.

Lembro-me do jardim muito bem cuidado, que compunha com ela o próprio Poppy Flowers, de Vicent Van Gogh, e que havia sido, assim como o quadro, roubado dos meus olhos.

Passei a vagabundear pelas ruas daquele Bairro que conhecia tão bem (menos que o Mané Beiço de Burra, que andava mais), e cujas pessoas eram classificadas por turmas (da Santa Cecília, do Castelo Branco, do Pratagy e assim por diante). Minha mente se encheu de imagens; a pátina do tempo tinha feito o seu irremediável trabalho. Nada era como dantes, tudo era recordação e saudade.

Mas ao menos a casa haveria de encontrá-la, para fazer ressurgir, mesmo que por um átimo de tempo aquela emoção que marcou para sempre os meus verdes anos. Pedalei em círculos, percorri continuamente o mesmo local, mas não encontrei a casa de esquina. Ora, é quase impossível não achar a última residência de uma rua! Ela não estava mais lá, no entanto. À semelhança das pessoas, as casas também envelhecem e morrem, após cumprirem a sua familiar missão. Havia dado lugar a um bar.

A casa era apenas um elemento do quadro. Por onde andaria a moça de cabelos pretos encaracolados? Eis que navegando por esse mundo sem fronteiras, abordo ou sou abordado por alguém, não importa.

– Acho que te conheço, afirmou. Eu o via na Jatiúca.
– Sério?
– Você passava quase todos os dias pela casa da minha avó.

Fitei os olhos e os pedaços que andavam soltos se ajuntaram. A composição ressurgiu intacta e, com ela, após me certificar de que tudo era verdade, o meu coração pronunciou uma frase, em confissão, que não posso revelar em público.

Ela então respondeu: Incrível!!! Eu também.

Olha a vida!!! Sempre reparava, mas você não dava bola a ninguém, não. Eu respondi, em silêncio, com uma pergunta: e por que você acha que eu namorava a tua vizinha? Bem, essa é outra história. A emoção me tomou de assalto, senti-me embriagar.

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