Coaracy Fonseca é promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça de Alagoas
Numa democracia que funciona nas pontas dos cascos a auto contenção do Poder Judiciário é uma postura de todo recomendável.
Com a ascensão de Temer e Bolsonaro ao poder o Brasil passou a viver um protagonismo inconstitucional e assustador do Parlamento Nacional.
O avanço no orçamento da União tornou-se algo sem pudor e sem a menor visibilidade.
Pela primeira vez passou-se a falar em orçamento secreto, nas malsinadas emendas do relator, algo sem controle e contrário à República.
A lei de meios deve guardar a mais ampla transparência para que o cidadão possa exercer o controle social e a oposição cumprir o seu sagrado dever.
O orçamento é a lei que traz em seu bojo os créditos e despesas, que são fixadas, da União para o ano vindouro.
Deve relacionar-se umbilicalmente com a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual, guardar compatibilidade com a lei de responsabilidade fiscal.
O STF há muito superou a sua antiga jurisprudência de impossibilidade de controle do orçamento pela Corte, por ser lei de efeitos concretos, passando a entender que o ato normativo em liça o era no sentido formal e material, portanto sujeito ao controle de constitucionalidade.
Em recente decisão, o STF fixou as balizas para o manejo das emendas impositivas, que foram, segundo as notícias, as quais tive o cuidado de conferir, liberadas sem a observância das normas pertinentes, não foram aprovadas pelas comissões.
As normas que são criadas sem observância do rito constitucional são NULAS em nosso sistema jurídico, avançamos em relação ao pensamento de Kelsen.
O importe liberado é no montante de R$ 4,2 bilhões, um valor absurdo e sem rastreabilidade. Foi noticiada abertura de inquérito pela Polícia Federal para apurar os fatos.
Espera-se uma apuração profunda, inclusive sobre o destino do dinheiro, no que diz respeito à execução das emendas e que os policiais federais não sejam perseguidos.
A matéria não é interna corporis, insuscetível de sindicância pelos outros poderes e órgãos constitucionais, trata-se de questão de direito estrito, que não pode ser costeada por alguns poucos parlamentares.
A decisão do Ministro Flávio Dino alimenta-nos a esperança na República e na Democracia e, sobretudo, se comprovadas as ilegalidades qualificadas, que haja responsabilização jurídica e política dos autores, sob pena de semear-se a desobediência civil em nossa terra, algo indesejável e terrível.
“Quando Deus não existe tudo é possível”.
O poder de estado que julga as suas próprias contas torna-se danoso e incontrolável. É preciso refletir sobre o conceito de democracia possível para que não nos falte alternativa viável.