Clamor é pelo respeito à moralidade pública

 Peter Panutto- Correio Braziliense

As manifestações populares ocorridas no Brasil nos últimos dias têm deixado todos surpresos. Como surgiram? Quais as razões para tão repentina e maciça participação popular?

A grandeza do movimento, tanto em sua dimensão, como em sua importância, fez com que a presidente Dilma Rousseff convocasse os governadores e os prefeitos de capitais para que ouvissem dela cinco pactos. Dentre eles, o que mais causou espanto, sobretudo da comunidade jurídica, foi o de “debate acerca da convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico”, que teria como função a reforma política no Brasil.

Depreendeu-se que o “processo constituinte específico” seria uma ASssembleia Nacional Constituinte. Tal proposta, além de inconstitucional, é desnecessária, pois a reforma política pode ser realizada por emenda constitucional e por alteração das leis federais correspondentes (Lei dos Partidos Políticos, Lei das Eleições e Código Eleitoral).

Em resposta às críticas, a presidente da República já desistiu da proposta do “processo constituinte específico”, o que nos dá tranquilidade, pois nossa Constituição democrática continuará com suas bases intactas. Insiste a presidente, contudo, na ideia do plebiscito, para que a população opine sobre os temas da reforma política. Melhor seria se o Congresso Nacional discutisse e aprovasse a reforma política e a população fosse provocada para referendá-la (ou não).

O Congresso Nacional, também em resposta ao clamor popular, tratou de rejeitar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37, que pretendia retirar do Ministério Público o poder de investigação criminal, poder esse que possibilitou as condenações, sem precedentes, no processo do mensalão. Apesar da diversidade dos anseios populares, há uma linha comum nas reivindicações: o clamor pelo respeito à moralidade pública.

Elevada a princípio constitucional na Constituição Federal de 1988, a moralidade pública obriga a todos os administradores públicos a exercerem suas funções não apenas de acordo com a lei mas também a atenderem aos anseios da população, sempre almejando o bem comum.

Segundo o professor de filosofia política da Universidade de Harvard, John Rawls, em uma sociedade bem organizada, os padrões morais “não apenas definem a concepção pública da Justiça, mas também os cidadãos adquirem um interesse nas relações políticas, e aqueles que ocupam cargos legislativos, judiciais e outros semelhantes, são constantemente chamados a aplicá-los e interpretá-los”.

A estabilidade econômica trouxe benefícios à população, certamente. Entretanto, os serviços públicos, como os de saúde e transportes, estão sendo oferecidos no mesmo padrão de precariedade de antes do início da estabilidade econômica. Isso demonstra a despreocupação dos governantes com o bem-estar da população, exercendo seus mandatos alheios à moralidade pública.

As manifestações públicas deixaram sua marca no Brasil e tiraram os mandatários públicos de uma acomodação que já durava mais de duas décadas. Esperamos que, diante da recente e impressionante mobilização popular, os governantes e legisladores atuais e futuros exerçam suas funções sem se esquecer de seguir estritamente o princípio constitucional da moralidade pública, de modo a atender ao interesse coletivo, demonstrado de forma intensa nesses últimos dias pela população.

.