Hoje eu tenho gosto de choro na boca; e ele nunca foi somente meu. É um choro longínquo, ontológico, originário e escravizado, que carrego nas entranhas do que fui, sou e serei. Eu semente de nação. Início de colonização. Da riqueza estrangeira, máquina de construção. Sufocada em talentos feridos, sentimentos escondidos, eu assassinada e ensanguentada no chão.
Hoje a caixa que guarda meu coração ficou mais frágil, rota e entristecida pelas invasões e ocupações dos direitos de ter vida, estar nascida, ser crescida, encontrar guarida.
O rastro do desengano passou pela soleira do jardim e afetou meus sonares de felicidades, embaralhou meu senso de igualdade, meu gosto por liberdade, hoje eu não consegui chorar.
Porque a firmeza da rocha segurou meus pés na certeza de que não há revés, capaz de me despir da eternidade que me garante o sem fim de liberdade que movimenta todas as vontades de ser feliz.
Não é o efêmero que me move, é o amor que me comove, com suas canções em dialetos miméticos.
Sinto a passagem desse vento virulento, perturbando o pensamento. É apenas um momento.
Não vai levar meu consentimento, mas toda a raiva que misturei aos condicionamentos, terá a sua força manifesta.
Cresci para não comer na sua mesa, e por escolha derramar suas certezas como vinho caro recusado e largado na avidez da areia.
A vingança que trago como herança, é pôr à descoberta a cara famigerada da desgraça aceita, nos colóquios lustrosos dos mentirosos.
Mas se esse gosto de sangue me enche a boca, e essa dura expressão que tece a minha solidão não arrefece, é porque a identidade ainda prevalece, e o grito de um filho a mãe nunca esquece; e dos filhos dessa pátria quem se lembrará?
Tristeza não é fraqueza.
Fraqueza não é crime.
Humanidade é álibi.
Saudade é beijo recuperado.
Quem aconteceu na existência nela ficou guardado. Amor não passa.
Apesar deste gosto de morte na boca, a palavra é vida!