Sincero e comovente, o novo livro revela episódios impactantes de sua infância e juventude vividos na inquietante França, pós-Segunda Guerra Mundial. Sessão de autógrafos e bate-papo com a autora serão realizados nesta-terça-feira (26/11/24), a partir das 18h, no restaurante Anamá.
Parafraseando o filósofo francês Jean-Paul Sartre, o importante não é o que fizeram de nós, mas o que fazemos do que fizeram de nós. É com essa sensação que podemos concluir a leitura do novo livro de autoficção da escritora franco-alagoana Chantal Jeanne Lafaye Frazão, intitulado No Lugar do Morto. Nesta obra inédita, a imortal pela Academia Alagoana de Letras, traça um belo painel existencial da França, situado no período pós-Segunda Guerra Mundial, repleto de narrativas surpreendentes, emocionantes e sinceras, conduzidas por uma série de personagens complexas, misteriosas – algumas muito cruéis –, mas todas humanas, demasiadamente humanas. Dessa forma, Chantal Frazão transformou suas memórias e traumas do passado em arte literária.
O lançamento de No Lugar do Morto será realizado nesta terça-feira (26), a partir das 18h, no restaurante Anamá. No evento, os leitores terão a oportunidade de bater um papo com a autora e participar de uma sessão de autógrafos, embalada pelo DJ Peixe que apresentará uma trilha sonora repleta de sucessos da bossa nova e da MPB.
Chantal Frazão revelou seu talento literário em pleno vigor criativo da maturidade. Anos de vida, sensibilidade, argúcia e muitas histórias para contar formaram uma conjugação de forças que a impulsionou na escrita de Memórias de uma franco-alagoana, seu primeiro livro, publicado em 2021. Até então, essa francesa nascida nos arredores de Paris, radicada em Maceió desde 1979, tinha se dedicado exclusivamente à família e às artes plásticas, desde que chegou em terras brasileiras. A boa acolhida do público leitor e outras histórias instigantes que ainda reservava trouxeram a motivação necessária para trabalhar em seu segundo livro que chega agora ao público leitor.
Depois de algum tempo maturando a ideia de transformar os relatos pessoais em literatura, a escritora decidiu exorcizar os fantasmas do passado, transformando-os em personagens de enredos fascinantes. O resultado é uma catarse de sentimentos que promete envolver os leitores, emocionando-os, divertindo-os e proporcionando-lhes momentos de reflexão com ricas narrativas baseadas em fatos.
“Meus parentes eram pessoas profundamente traumatizadas. Mas ninguém se submetia a uma psicanálise freudiana por ser um tratamento caro e também por ser considerado impudico revelar seus segredos escabrosos para um desconhecido”, explica Chantal Frazão. Contudo, esses mesmos parentes, em suas incontidas necessidades de desabafar, encontraram na pequena Chantal uma interessada interlocutora para suas sórdidas confissões íntimas. “Eu adorava escutar as indecorosas conversas dos mais velhos, todas repletas de detalhes sinistros e mórbidos. Oferecia-me como balde no qual os adultos ficavam à vontade para vomitar suas mais abomináveis confidências. Sempre pedia mais e mais… De tanto ouvi-los com atenção, tornei-me, igualmente, uma contadora de histórias. Anos mais tarde, ao relatar esses episódios familiares aos amigos, ouvia o seguinte conselho: – Chantal, você precisa escrever um livro. As pessoas merecem conhecer as suas aventuras, relembra.
A maturidade e honestidade de Chantal Frazão vem conquistando leitores e críticos, desde sua estreia na Literatura. “Cada vez mais me convenço da maturidade de seus textos, sem pudor de se expor por inteira em seus questionamentos sobre a existência conflitante sua e dos personagens que se revelam na sua mais cruel leitura de suas personalidades. Mais ainda das conclusões, frutos de uma mulher observadora como uma máquina que escaneia o corpo e a alma do ser. Diria que é capaz de despir qualquer um e mostrar seu lado mais sombrio. Não sei como apreendeu uma linguagem coloquial de um português tão farto e até licencioso”, afirmou o escritor e crítico de arte Benedito Ramos, também membro da Academia Alagoana de Letras.
“Mesmo não sendo um crítico literário tenho um excelente faro para o que é boa literatura. Farejei forte o que tinha nas mãos e percebi que o odor era inconfundível. O tempo todo eu me questionava, procurando rótulos para os componentes do todo. Mas não o encontrava”, afirma o poeta José Geraldo Marques, imortal da Academia Alagoana de Letras, ao ler No Lugar do Morto. Segundo ele, o fio condutor da obra é muito claro e Chantal Frazão conseguiu conduzi-lo “de modo impressionantemente coerente, realizando verdadeira mágica, dando unidade ao que facilmente cairia num quebra-cabeças em mão inábeis”.
“O fio condutor é a ressurgente onda forte e bela da bioficção. Mergulha em si mesma sem temores de afogamentos ou de estranhamentos alheios. Ela é ela. Ela sabe ser ela com autenticidade e prazer. E nisso vai desde textos extremamente realistas a textos de realismo fantástico que seriam bem denominados de fantasias realistas. Não se exime de assumir as experiências esdrúxulas e misteriosas por ela vividas e vivenciadas, nem oculta o que a intimidade ampliada poderia parecer”, arremata Marques.
Ficha Técnica
Evento: Lançamento do livro No Lugar do Morto, de Chantal Frazão
Preço promocional de lançamento: R$ 50
Local: Restaurante Anamá
Endereço: Avenida Silvio Carlos Viana, 2501. Ponta Verde
Quando: 26/11/24
Horário: a partir das 18h
Contato: Patrycia Monteiro Rizzotto – 82 99351-5315
ENTREVISTA – CHANTAL FRAZÃO
Seu livro transmite muita sinceridade. Traz revelações comoventes e personagens reais, inclusive familiares, implacáveis e até cruéis, embora humanos. Sua obra No Lugar do Morto, o segundo da sua carreira literária, é um livro de memórias visceral, por vezes perturbador. Em algum momento, você hesitou em relação à exposição pessoal? Ponderou sobre possíveis julgamentos?
Claro que hesitei na hora de divulgar meus segredos. Eu já tinha um pouco mais de sessenta anos quando lancei minha primeira obra. Ou seja: hesitei durante várias décadas! Acontece que, quando peguei gosto pela coisa, não consegui mais parar. Estou me programando para redigir meu terceiro livro. Acredito que, logo depois, terá mais um quarto saindo do forno. Tenho ainda muitas confissões para partilhar!
Sim, eu imaginei ser alvo de julgamentos, mas aquilo é o grande barato, un grand frisson, de lançar um livro de modo geral. Ainda mais quando ele é biográfico. Quando jogo minha intimidade para o público – assim como um pescador lança sua rede para o mar –, há sempre um retorno por parte do leitor. Às vezes o resultado da pesca é imediato, recebo recados calorosos. Tem um senhor idoso que costumava me escrever cartas, dando suas opiniões, que acatei de modo geral. Nem sempre as pessoas me enviam suas impressões. Acontece que, quando as encontro, em algum evento, percebo que me olham de um jeito diferente. Por causa do livro, elas agora sabem quem eu sou, elas enfim me conhecem de fato.
Veja, sou uma senhora madura com sobrepeso. No mundo atual, no qual a imagem é extremamente importante, eu passo despercebida. Com os anos avançando, tornei-me completamente transparente. Ninguém me nota. Com o livro, o leitor descobre que essa senhora, aparentemente pacata, atravessou muitas aventuras. Inesperadamente, o livro tornou-me visível. De repente, existo! Alguns cidadãos, que nunca tinham se interessado por mim, aproximaram-se e vêm me falar com bastante entusiasmo de algumas situações descritas nos meus textos. Aliás, essas pessoas se tornam íntimas minhas, pois conhecem meus familiares pelos relatos. Por exemplo, elas simpatizam com certo parente meu como se o conhecessem pessoalmente. Só as pessoas muito próximas sabem da nossa verdadeira história familiar. O leitor passa a ser um amigo meu, muito próximo. Ele aprecia as peraltices do meu tio Émile; ou fica combalido diante do destino infausto da prima Irene.
Em relação à exposição pessoal, realmente, eu me desnudo bastante nos meus escritos. Nunca fui de desnudar o corpo. Desnudo apenas minha alma, mas faço isso da forma mais recatada possível. Sou uma pessoa tremendamente pudica. Num texto do meu novo livro, no qual aponto um assédio que sofri quando era adolescente, redigi o relato com muita cautela. Descrevi cenas ousadas, sem cair na vulgaridade. Avanço na escrita como quem pisa na ponta dos pés, delicadamente. Acontece que o leitor sempre me surpreende, pois fiquei abismada ao descobrir que certa senhora, aparentemente conservadora, foi quem mais apreciou um texto picante do meu primeiro livro.
Certas autoras francesas ultrapassam os limites do aceitável. É o caso da Catherine Millet, uma curadora, crítica de arte e escritora que passou do ponto quando lançou, em 2001, A Vida Sexual de Catherine Millet. Nesta obra de bioficção, a autora narra sua escandalosa vida erótica, que, para muitos, soa como “anômala”. Em artigos jornalísticos, Catherine revelou passagens do livro nos quais ela descreve cenas das orgias nas quais participou. Sinceramente, não é o tipo de leitura que procuro – ou produzo. Ocorre que, em 2014, ela lançou Infância de Sonho (Enfance de rêve), um livro no qual ela divulga sua juventude suburbana parisiense, nos anos 50, do século 20. Comprei o livro, li e adorei.
Por que escolheu a autoficção? Já era uma leitora deste gênero literário? Se sim, quais autores de autoficção que mais admira? Quais autores do gênero a inspiraram?
Para iniciar minha resposta, devo primeiro explicar um pouco do que se trata, para o leitor que desconhece este tipo de literatura. A autoficção mistura a autobiografia com a ficção. Apresento textos que expõem situações absolutamente reais e autobiográficas. Todas as histórias que descrevo foram vivenciadas ou testemunhadas por mim. Mas, em determinados momentos dos relatos, devo partir para a ficção a fim de descrever o estampado de uma roupa, que não recordo. Faço uso da imaginação, detalho objetos, gestos e movimentos, jantares e paisagens que não lembro com nitidez. Nessas horas, preciso criar e inventar.
Aprecio imensamente a autoficção, um estilo literário muito atual e em voga, com autores detalhando seus traumas, seus segredos pessoais. Na minha modesta opinião, encaro a autoficção como uma evolução natural da literatura, principalmente quando se trata de autoras francesas. Veja, no século 19, a escritora Aurore Dupin resolveu usar um pseudônimo masculino, para poder publicar sua obra. Ela passou a assinar seus romances ficcionais como George Sand. Ela era amante do compositor Frédéric Chopin, que dependia financeiramente de George. Ela ganhava bem com seus livros, era ela que colocava comida na mesa. Acontece que, quando viajava até Paris para frequentar os salões literários, ela se vestia como um homem, fumava charuto, apagava sua feminilidade, pois o universo literário era restrito aos homens.
Posso também citar outra escritora francesa: Sidonie-Gabrielle Colette. Quando iniciou sua carreira literária, no início do século 20, foi seu marido, Henri Gauthier-Villars, que publicou seus primeiros livros, usando o apelido dele mesmo: Willy! Era ele que recebia o dinheiro dos direitos autorais, só deixando uma reles mesada para a esposa. Um verdadeiro absurdo! Após se divorciar e se emancipar, a escritora continuou a produzir muitos outros livros. Ela é considerada a pioneira dos romances bioficcionais. Li boa parte da sua obra durante minha adolescência. Sou fascinada não somente pela escritora, mas também fico pasma com a ousadia comportamental da escandalosa mulher que, após a separação, passou a usar seu sobrenome como pseudônimo: Colette.
Já na metade do século 20, as escritoras francesas começaram a botar o focinho para fora da toca. Não precisavam adotar uma identidade masculina. É o caso de Françoise Sagan que escandalizou a sociedade dos anos 1950 com seu romance ficcional Bom dia, Tristeza, cuja heroína não segue as regras convencionais de amor e casamento. Depois de lançar este romance, ela virou uma estrela, foi capa de revistas, era convidada em todas as festas.
Da metade do século 20 até o século 21, pipocaram um monte de obras autoficcionais. As escritoras agora se posicionam como protagonistas dos seus próprios escritos. Elas não precisam mais se esconder atrás de um nome fictício, elas não necessitam usar disfarces. Nada disso. Atualmente, elas fazem questão de ter suas caras estampadas em jornais. Elas dão entrevistas, aparecem em programas de televisão. São mulheres modernas, sexualmente liberadas, que se divorciam, vivem mil e uma peripécias. Todas elas trabalham, viajam, têm amantes, enfim, elas vivenciam ricas aventuras. Não precisam mais se esconder atrás de personagens. Elas são as heroínas dos seus próprios livros. É o caso da escritora francesa Annie Ernaux, que ganhou o prêmio Nobel de literatura, em 2022, pelo conjunto da sua obra, que é essencialmente uma autoficção.
Como em Memórias de uma franco-alagoana, seu primeiro livro publicado, em No Lugar do Morto há relatos decorridos da sua infância e adolescência na França e relatos mais contemporâneos, sucedidos em sua nova vida em Maceió. Nos relatos franceses há um tom mais melancólico e sombrio. Já os relatos brasileiros são um pouco mais pitorescos e bem-humorados. Essas nuances refletem sua forma de ver as diferenças culturais entre França e Brasil?
Realmente, são dois mundos completamente diferentes. Vivi meus primeiros 23 anos na França, que era ainda muito marcada pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Minha família materna era do leste da França, perto da fronteira com a Alemanha. Nasci 11 anos após o fim da guerra. Cresci ouvindo relatos pavorosos de campos de concentração, de bombardeios, de trincheiras, de batalhas sanguinárias. Isso me marcou em demasia. Minha família era muito neurótica, muitos parentes meus eram tóxicos. Já aqui no Brasil, encontrei pessoas descontraídas, divertidas. O brasileiro tem um humor muito gostoso. A população é calorosa. Sinto-me tremendamente bem com o povo brasileiro. Amo visceralmente minha família brasileira. Aliás, meu adorado marido sempre me falou que a cegonha que me carregou errou o endereço do meu nascimento, era para eu ter nascido no Brasil, pois meu jeito de ser é muito brasileiro.
Há quanto tempo você vive no Brasil? Sentiu um certo choque cultural? O Brasil a surpreendeu de alguma maneira?
Vivo em Maceió desde 1979. Em junho passado, completei 45 anos de vida no Brasil – dois terços da minha existência! Sou culturalmente brasileira. Na minha casa recebo amigos e ofereço pratos brasileiros como feijoada com torresmo. Meu jardim é repleto de helicônias. Escuto muita música brasileira, que amo de paixão. Adoro novelas da Globo, principalmente as antigas do Manuel Carlos. Acontece que permaneço intelectualmente francesa. Ou melhor: parisiense. Na hora de ler romances, compro prioritariamente livros franceses, de autores contemporâneos. A partir dessas leituras, vivencio a existência dos personagens franceses. É dessa forma que continuo conectada com os costumes do meu povo de origem. Dessa maneira, permaneço mentalmente francesa.
Nasci a oito quilômetros de Paris. Eu pegava um trem e, em dez minutos, já estava na capital francesa. Passei três anos morando no centro de Paris; foi quando conheci meu marido alagoano. Quando ele me viu pela primeira vez, eu tinha apenas 21 anos e estava sentada num bistrô de um bairro boêmio de Paris. Eu era a única mulher numa mesa só de homens. Eu tinha os cabelos curtíssimos e liderava a conversa. Antônio ficou impressionado, me achou muito ousada. Acontece que, naquela ocasião, eu bebia um inocente suco de laranja. Não gosto de vinho e tomei minha primeira bebida alcoólica (uma cerveja) somente no Brasil, aos trinta anos. Eu amava papear com amigos em bares, só isso. Eu não frequentava baladas e discotecas, nem fazia uso de drogas. Eu era liberada, moderna, virtuosa e decente ao mesmo tempo.
Assim que cheguei aqui em Maceió, descobri que era impossível me comportar daquele jeito. O choque cultural foi imenso! Em Paris, costumava sentar sozinha, até de noite, a uma das mesas de botecos que ficam nas calçadas. Eu tomava um cafezinho, fumava cigarros e olhava o povo passeando. Antônio me revelou que era inaceitável – naquela época – uma mulher sentar sozinha num bistrô no centro de Maceió. Acredito que não mudou muito. Acho difícil uma jovem sentar desacompanhada numa mesa de bar da capital alagoana.
Quando cheguei a Maceió, em 1979, meu marido e eu éramos as duas únicas pessoas a descer do avião. Não existia ainda o turismo de hoje. Não havia shopping center. Havia poucos prédios, a maioria deles baixos, a cidade terminava na Ponta Verde. Quando eu comparecia nas festas, havia sempre os homens sentados numa mesa e as mulheres numa outra mesa. Não dividiam o mesmo espaço. Até hoje, quando visito certos amigos, existe ainda essa separação, como nos países muçulmanos. É algo que nem sempre foi fácil de aceitar. Sempre preferi a presença e a amizade dos homens ao meu redor. Ocorre que eu havia decidido viver para o restante dos meus dias ao lado do Antônio. Portanto, pouco a pouco, fui adotando os costumes e valores brasileiros. Melhor dizer: fui assumindo um comportamento de matriarca alagoana. Brincando, sempre digo que aprendi a catar feijão, dessalgar charque e até tirar bicho do pé.
Há uma linha condutora nas narrativas francesas relacionada aos impactos da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais no contexto social europeu. Talvez, mesmo sem ter essa pretensão, seus livros apontem para as consequências psicológicas legadas às pessoas que viveram sob o contexto bélico, apesar de as personagens não tenham ido diretamente para o campo de batalha. É evidente que as perdas humanas e a devastação emocional acabam tocando a todos. Na sua opinião, as guerras deixam marcas indeléveis nos indivíduos e na sociedade por elas atingidos? É possível superar esse trauma social?
Meus avôs vivenciaram duas Guerras Mundiais. Meus pais conheceram a Segunda. Fui criada cercada por sobreviventes traumatizados que me usavam como um recipiente no qual eles vomitavam suas recordações pavorosas. Meus parentes não fizeram tratamento psicológico, não era algo comum para as gerações anteriores a mim. O trauma atingiu igualmente as pessoas da minha idade, só que indiretamente. O MAL afetou todos os indivíduos dessa linhagem. Graças a Deus, consegui interromper esse lastimável costume: rompi o círculo vicioso. Não me comportei de forma abusiva com meus filhos. Tampouco revelei as barbaridades do passado aos meus descendentes. Se quiserem saber um pouco sobre a realidade dos seus antepassados, vão ter de ler meus livros.
A partir de seus relatos pessoais, percebemos que você é uma sobrevivente de alguns episódios traumáticos. A literatura pode contribuir para sanar as feridas abertas, tanto nos escritores como nos leitores?
Sim, a literatura é um processo terapêutico, assim como uma psicanálise freudiana. Fiz análise durante muitos anos, cinco sessões por semana. Quando mergulho nas minhas recordações, para produzir um texto, procuro minuciosamente os termos mais corretos para descrever situações contundentes. A escolha e o uso criterioso da palavra falada, na terapia, curam o paciente. Do mesmo jeito, a pesquisa minuciosa do vocábulo, para descrever uma cena esmagadora, acaba também sarando o escritor. Alguns anos atrás, fui diagnosticada com um transtorno psicológico. Ocorre que, desde o início da redação das minhas memórias, tornei-me extremamente serena. Sinto que minha psique sossegou. Percebo o quanto meu eixo mental ficou alinhado. Da mesma forma, a leitura de certas obras me beneficiou cerebralmente. Modifiquei minha forma de enxergar o mundo através do comportamento de certos personagens. Quando escrevi No Lugar Do Morto, imaginei contribuir para a educação das crianças. Através do meu relato, descrevendo um assédio, espero alertar os pais sobre os abusadores com fachadas aparentemente idôneas e honestas.
Fonte: assessoria