Caso Paulo Bandeira: há oito anos, ele foi queimado vivo, por denunciar desvios da Educação

A morte chocou o mundo pela crueldade; apesar de preso, ex-prefeito está impune

Adalberon de Moraes é apontado como autor intelectual do crime

Odilon Rios
Do Repórter Alagoas

Um júri que promete ser histórico, mas ainda sem data para acontecer. É o assassinato do professor de Educação Artística, Paulo Bandeira.

Os restos mortais dele foram encontrados em seu próprio carro, amarrado com correntes. Era quatro de junho de 2003.

O processo de 12 volumes e mais de mil páginas mostram os mínimos detalhes da trama para matar o professor. Além de Adalberon, estão presos o policial Ananias Oliveira Lima e Geraldo Augusto Santos da Silva. Os dois são autores materiais do crime. A diretora da escola onde trabalhava Bandeira, Nanci Lopes Pimentel, e a moradora Maria José dos Santos respondem pelo assassinato em liberdade.

Os detalhes do crime

2/6/2003, 15:30hs. O professor Paulo Bandeira estava na escola Josefa da Silva Costa e recebe um telefonema. Joeliton Batista da Silva, aluno, atende. Era Maria José dos Santos. Ligava do número 266-1552. De acordo com as investigações, número da sua casa. Era um chamado para Paulo Bandeira comparecer à Prefeitura. Lá, ele conversou com a servidora Mônica Tenório, que pediu para aguardar enquanto ela entrava em contato com outra funcionária, citada no processo como “Jane”. “Vou aqui e volto já”, foi a resposta do professor. Ele saiu da Prefeitura, com seu carro, um Gol branco, em direção a rua de acesso a rodovia BR 316. Desde este dia, não foi mais visto.

4/6/2003. Dois dias depois, o corpo dele foi encontrado dentro do seu carro, carbonizado e acorrentado por correntes nas pernas, tórax e pescoço. O local era o Povoado Primavera, próximo a Satuba, de difícil acesso. Próximo dele, uma garrafa de álcool, do mesmo lote e marca da escola onde Bandeira lecionava.

Depois do crime, começa o vai e vem das investigações e das versões. Uma delas é da diretora da escola, Nanci Lopes Pimentel, acusada de participar da trama. No dia 19/12/2002, ela diz ter recebido um chamado para a Secretaria Municipal de Educação. Era Adalberon. Queria saber se o professor Bandeira gravava tudo o que se passava na escola. “Dona Nanci, não se preocupe, deixe que o problema do professor Paulo eu resolvo”, teria dito Adalberon, na descrição da diretora.

Neste dia, acontecia uma reunião na secretaria, interrompida várias vezes por Adalberon, com recados endereçados a Paulo Bandeira: “Grave, você gosta de gravar”. Bandeira perguntava sobre o Fundef. As respostas do então prefeito, dizem o processo, eram irônicas. No final deste encontro, o aviso: “Paulo, de agora em diante passe a gravar tudo de bom que a escola fizer! Você lembra do Juruna? Ele gravava tudo, mas morreu!!!”. Mário Juruna, citado por Adalberon, era índio e tornou-se deputado federal. Morreu em 2002 de complicações renais e era conhecido por gravar as promessas dos políticos e lançou até um livro sobre seus registros. Nanci associou a fala de Adalberon ao futuro assassinato de Bandeira.

Dias antes do crime, Marcelo José dos Santos, “homem da confiança do prefeito Adalberon”, destacam as investigações, esteve na escola, pedindo o novo horário de trabalho do professor Paulo Bandeira. Assim foi anotado em um pedaço de papel, entregue por Nanci a Marcelo: segunda-feira, de 13 às 22 horas; sexta-feira, de 19 às 22 horas. Nanci estranhou o pedido porque o horário estava em um quadro de avisos da escola, disponível para todos.

Dia 3/6/2003. Nanci encontrou com Adalberon em uma garagem, próxima à Prefeitura. Ela sabia que a família de Paulo Bandeira estava na delegacia para comunicar o desaparecimento dele, um dia antes. Assim diz Nanci, quando informou o prefeito sobre o desaparecimento: “Já estou sabendo! Dona Nanci, porque está tão preocupada? Foi você quem matou o professor Paulo? Esfrie a cabeça, vá trabalhar! O que você foi fazer na delegacia?”.

O presságio da morte, aliás, acompanhava o professor. Avisou a família, fez uma carta dossiê e deixou gravações: “Confesso que estou com medo, pois sou pai de família e temo pela minha vida, pois desse senhor pode-se esperar tudo, quem sabe até uma emboscada, sei da fama do senhor Adalberon de violento”. Adalberon responde ainda pela morte de Jeams Alves dos Santos, em 30/12/2002, praticado pelos “seguranças”, como chamam as investigações, de Adalberon. Santos morreu nos braços das mãe, dizendo que os assassinos eram os “seguranças” de Adalberon.

Paulo Bandeira ganhou um cargo comissionado “para calá-lo”, é o que diz o assistente de acusação. Virou supervisor educacional. Bandeira continuou a denunciar supostas irregularidades no uso do dinheiro da educação, confirmadas em relatório, anexado ao processo, da Secretaria Federal de Controle Externo, da Presidência da República, uma auditoria realizada após a morte do professor de Educação Artística, entre os dias 14/07/2003 e 15/08/2003.

Versão descartada envolvia Albuquerque, Tenório e Luiz Pedro

No dia 31 de março deste ano, a defesa solicita a substituição de testemunhas no processo de Paulo Bandeira. Queria a inclusão do preso Adésio Rodrigues Nogueira, custodiado no presídio Baldomero Cavalcanti. O depoimento dele fazia parte de uma investigação particular, feita pelo próprio Adalberon.

Pela versão dele, o policial militar Afrânio José Marinho, Genival Teixeira (vulgo “Godizila”), o ex-agente da polícia civil, José Carlos de Oliveira (“Navalhada”) e o ex-policial militar Laerson Pereira de Barros tramaram, na chácara do vereador Luiz Pedro da Silva, a morte de Paulo Bandeira, oito dias antes do crime. Dizem os autos do processo que, ao chegarem ao local do homicídio, “obrigaram a vítima, sob a mira de armas de fogo, a preparar toda a cena de execução, inclusive encharcar a si e o automóvel com álcool e acorrentar-se junto a este. Deixaram até galões de álcool e outros materiais, justamente para causar fortes indícios da participação do acusado”, diz o processo.

Depois, os policiais foram à chácara informar do crime. Para a defesa – ela própria a descartar esta versão e excluir a participação dos deputados no crime- Antônio Albuquerque, Francisco Tenório e Luiz Pedro ganharam politicamente: Albuquerque, diz o processo, ajudou a eleger a prefeita Cícera Pereira da Silva, a Cícera do Bar; Chico Tenório manteve aproximação política com Paulo Acioli, ex-vereador, de grande influência na região, além de Luiz Pedro, na época deputado e com parte dos votos canalizados de Satuba. O que alimentaria esta tese de que só os três teriam ganho algo, do ponto de vista político? Navalhada e Godizila foram assassinados depois do crime; Marinho fugiu e Laerson está preso no Baldomero.

Versão final: os detalhes da Polícia Federal

Em relatório, a Polícia Federal acusa Adalberon e fala de Paulo Bandeira: “reivindicava e denunciava o mau uso e até desvio de recursos do Fundef, por parte da chefia do Executivo Muncipal. Essa postura desagradava tanto o prefeito como os agentes públicos, que junto com o chefe do Executivo Municipal se favoreciam dos recursos públicos”.

Para basear seu relatório, a PF expõe a carta e mostra também o lado da diretora Nanci Pimentel. Ambos, Adalberon e Nanci se apropriavam de dinheiro público. Nanci superfaturou uma obra na escola. Bandeira “passou a sofrer inúmeras ameaças por parte das pessoas acima referidas e em consequência disso temia pela sua vida”.

O depoimento de Joeliton Batista da Silva, aluno da escola Josefa da Silva Costa, foi conclusivo: Nanci Pimentel também teve participação no crime. No dia 4/7/2003, o aluno foi ameaçado de morte por um motoqueiro. “A ação foi praticada para conter a testemunha”, disse a PF.

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