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Caso Davi: Testemunha assassinada se sentia ameaçada pela polícia

raniel

Um assassinato envolvendo policiais e a única testemunha morta a tiros em circunstâncias pouco claras. Esse é mais mistério em torno da morte de Davi da Silva, há dois anos. Único a presenciar a truculência policial no dia 25 de agosto de 2014- última vez que Davi foi visto com vida- Raniel Victor de Oliveira, 19 anos, foi morto a tiros e pedradas em 24 de novembro.

As primeiras linhas de investigação da Delegacia de Homicídios apontam: Raniel fazia pequenos furtos na região. E sua morte teria sido motivada por vingança, descartando, neste primeiro momento, ligação com a morte e desaparecimento de Davi da Silva.

A familia nega. Diz que, no dia em que foi morto, Raniel saiu de casa para distribuir seu currículo em empresas.
Raniel foi baleado na Grota do Carimbão, no bairro do Benedito Bentes, perto de onde morava. Correu em busca de socorro, esbarrou em uma mulher e caiu no chão. Chegou a ser confundido com assaltante. Foi espancado por pessoas que estavam próximas ao local. Percebeu-se que ele estava ferido com dois tiros.

Não houve perícia no local onde Raniel foi morto. Ele foi levado ao hospital por uma viatura da Polícia Militar.

O corpo deu entrada no Instituto Médico Legal no dia 24 de novembro, às 13 horas, e liberado na sexta-feira (25), após ser reconhecido pela família, que evita aparecer em público e teme pela própria vida.

Raniel estava incluído no Programa Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas após carros do Bope rondarem, de forma suspeita, a casa onde morava. Foi transferido para Brasília, deixou o programa no dia 9 de novembro, e conseguiu voltar a Alagoas há algumas semanas.

Segundo disse a família: estava com saudades.

Deixou duas vezes o programa. Há um ano atrás, conseguiu uma vaga. Ele chegou a morar no Rio de Janeiro e trabalhou na Construtora Odebrecht.

Voltou ao programa porque, mais uma vez, carros da PM estavam circulando no Benedito Bentes, desta vez à procura da casa de Raniel.

Saiu de Alagoas escoltado por um delegado e um agente da Delegacia de Homicídios para o Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares. Ficaria em local provisório, em Brasília, em seguida seria transferido para outro lugar.
Raniel sempre confessou: tinha medo de morrer.

Inquérito da Polícia Civil concluiu que os policiais militares Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Victor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade abordaram Davi e Raniel, durante revista policial no conjunto Cidade Sorriso 1, em agosto de 2014. E sumiram com Davi.

Eles foram indiciados pelos crimes de tortura, sequestro e cárcere privado, homicídio qualificado e ocultação de cadáver.

Em nota, os advogados dos militares negam participação na morte de Raniel. “Não há nenhuma relação dos Policiais com a morte de Davi, e agora, principalmente, com a de Raniel da Silva, sendo que está última, pela circunstância de ter sido atingido por disparo de arma de fogo e por pedradas, provavelmente foi motivado por envolvimento com o tráfico de drogas, conforme suas próprias palavras”, diz a nota.

Testemunha viu tudo
O inquérito entregue para a Justilça do caso Davi da Silva mostra Davi estava acompanhado de Raniel (ambos de bicicleta) no dia 25 de agosto de 2014, quando os dois foram abordados pela polícia próximo ao posto de saúde do Conjunto Cidade Sorriso I.

Raniel disse que foi comprar maconha no Cidade Sorriso I. O convite a Davi foi feito por Raniel, que esperou Davi próximo ao posto de saúde do Cidade Sorriso I. A droga foi comprada por R$ 10. Davi chegou, repassou a Raniel uma das balinhas de maconha.

Logo após, Davi começou a desenrolar a droga, quando a polícia abordou os dois. Foi quando um dos policiais, o Eudecir, bateu nas partes íntimas de Raniel, mandando que ele abrisse as pernas e se ajoelhasse.

Objetivo é que Raniel confessasse que ele era o “Neguinho da Bicicleta”,conhecido traficante da região:

“- Não olhe pra nós; agora abra as pernas, abra as pernas bem abertas e agora se ajoelhe, quero ver você se ajoelhar; [eu disse] oushi, vou me ajoelhar não; ai começou a bater nas minhas partes íntimas, me agredindo, todo mundo, a população, todo mundo lá, todo mundo vendo e assistindo essa cena que eles estavam fazendo comigo”.

Estes são detalhes repassados por Raniel, que inclusive identificou quem os abordou: uma guarnição da rádio patrulha (“os policiais estavam usando farda camuflada e viatura parati”, disse a testemunha em depoimento à Polícia Civil).

Reconheceu Eudecir como torturador:

“Esse daí foi o que bateu nas minhas partes íntimas (…) foi (…) ele mandou eu abrir as pernas, quando abri as pernas ele ficou dizendo oh você vai se ajoelhar, se ajoelha, se ajoelha; [eu] disse oushi vou me ajoelhar não; [ele] disse, oushi não vai? Eu não vou não me ajoelhar não; ele começou bater nas minhas partes íntimas (…) você é o Neguinho da Bicicleta, quando roubando e anda vendendo droga por aqui no bairro Benedito Bentes; eu não sou não esse Neguinho da Bicicleta (…)”

Na abordagem, disseram os policiais, segundo Raniel: “Fique de cabeça baixa, vagabundo! É a polícia!”.

Nervoso, Davi esboçou reação de choro e, como era gago, ficou com problema ao falar. A balinha caiu no chão. A policial Nayara repreendeu e perguntou a Davi se ela era uma cachorra, atitude que gerou apoio entre os outros integrantes da polícia.

Davi foi posto na viatura.

“só pegou o menino, já veio com a algema nele, pegou o menino, botou o menino dentro da mala e levou ele, em direção ao conjunto Aprígio Vilela”, descreveu Raniel.

Os policiais começaram a conversar e agredir Raniel. Uma delas era uma policial, que segurou seu rosto e sacudiu.

Ele negava ser traficante. Raniel foi liberado. A guarnição saiu com Davi, dizendo a Raniel que “daria uma volta” pelo conjunto Aprígio Vilela. Logo após, devolveriam o jovem. Davi desapareceu.

Em um primeiro depoimento, gravado em vídeo, Raniel disse que era possível reconhecer a mulher agressora, neste caso, Nayara; no segundo, ao ser colocado diante de cinco policiais femininas para reconhecimento, incluindo duas mulheres com o mesmo nome, Nayara, não viu semelhança com a que o abordou no dia.

Depois, disse reconheceu Nayara e não disse antes por se sentir intimidado porque seriam policiais militares que o conduziriam de volta para casa, após o reconhecimento.

O inquérito que apura o assassinato de Raniel deve ser concluído em 30 dias.

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