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Carlos Martins, Alexystaine e a Sociologia alagoana

Estava insone. Acabava de escrever um texto sobre os sem-direitos de Alagoas, sob a viva impressão que marca qualquer que se disponha a contemplar a dor com olhos de gente, nos hospitais públicos alagoanos.
Entro numa rede social, quase três horas da manhã.

Um amigo me diz intempestivamente:

– A policia invadiu minha casa, me algemaram, revistaram toda minha casa e me levaram para o DEIC.

Penso ser um pesadelo de gente acordada. Afinal, tenho estado sobrecarregada, cansada, e aquilo poderia ser um delírio. Mas desperto e lembro: Alagoas trata cidadão dessa forma e bandido daquela outra que todo mundo sabe…

– O que foi isso? – Arrisco, na esperança de que fosse ele quem estivesse brincando comigo.

– A policia invadiu minha casa, me algemaram, revistaram toda minha casa e me levaram para o DEIC.

Até eles verificarem o engano sofri um bucado
estava me preparando para ir a ufal
tinha uns helicóptero sobrevoando minha casa
de repente bateram no meu portão com gritos de que era a policia
depois entraram, me mandaram deitar no chão, me algemaram e colocaram minha casa de perna pro ar, depois de toda a arrogancia caracteristica da policia tentaram me pedir desculpas na delegacia
amanhã entrarei em contato com a imprensa para fazer uma denuncia pública
depois fiquei sabendo que eles brigaram na minha porta pra ver quem invadiria
durante os 40 minutos que estive algemado com a cara na parede não sabia o que estava acontecendo.

Conservo a escrita original, na esperança de que assim transmita a angústia que aquelas palavras carregavam.

Angústia que chega de madrugada na porta de uma alma que conhece bem essa covardia, a minha alma de mãe…mulher alagoana…cidadã que luta desde 2007 por justiça para uma segurança pública truculenta…

-Minha solidariedade amigo…Receba em forma de abraço…
Onde moras? O que alegaram na delegacia?

– Obrigado Ana
foi terrivel.

Sei que nessa hora vários castelos vão ruindo. Nossas antigas referências parecem espremidas diante da experiência traumática. Sei que nesse momento, amigos se tornam deuses, absolutamente necessários!

– Essa era ruim precisa ser enfrentada com denúncias.
Imagino teu trauma, agora multiplica ele por centenas de pessoas…

-já fiz contato com a OAB e com a imprensa
e com dois advogados para mover uma ação.

Revi alguns caminhos por onde andei, para denunciar a tortura vivida por meu menino de apenas 12 anos. OAB foi mero acessório do sistema. Desejo que nesse caso atue com mais veemência.

-Qualquer de nós está vulnerável. Qual teu bairro Carlos?

-Antares
aqui é antares I e II

– Alegaram que era o quê mesmo?

– Só depois dos 40 minutos de terror que eles me mostraram um mandado com meu endereço errado.

– Lamento por nosso Estado, e reitero apoio, ainda que moral, mas também intelectual a ti.
Conta conosco.

-Obrigado Ana.

– Que as energias de cura do universo trabalhem em teu espírito
Pacifica e renova
A luta traz provações.

– Preciso
na delegacia eu não consegui me segurar a detonei a chorar.

– Nesse instante vc representa os maceioenses todos.

– kk

– Como bodes expiatórios de uma política ruim.

– Infelizmente.

– Mas isso te deixará com mais bagagem
A dor e a decepção forjam a força
Embora não sejam necessárias para isso acontecer
Tome um chá forte e vai dormir, para melhorar.

– Cheguei do hospital. Tomei remédio mas não consigo dormir.

Esse diálogo, pelas 3:00 da madrugada, enchia meu peito de indignação e pesar…mas fazia minha memória pousar nos dias que se seguiram à tortura vivida por Alexystaine aos 12 anos; a revolta, o mutismo, a depressão, o transtorno que lhe fez alvo fácil para a forja da causa mortis…

Meu pequeno mártir resurgia na face da dor alheia, que resume todas as dores iguais.

O vencedor armado sobre o vencido. A criança, a mulher, homossexual, negro, pobre, analfabeto, povo…Alagoas sem sorriso.

Mães em lágrimas. Velórios de jovens. Polícia que assusta a população, a mesma que encoberta outras populações.

Leis inúteis. Constituição fechada.

Dificil reconciliar o sono. Compartilhar o trauma do Carlos Martins, cientista social como eu mesma, companheiro desde os tempos da universidade, parceiro em vários debates, compartilhando a mesma mesa para gerar discussões sobre racismo, também professor, é assumir e reafirmar o compromisso com uma sociedade para além da violência. Acreditando que socialmente os indivíduos podem promover mudanças boas.

Minha experiência de denúncia forjou a trilha da imolação de um jovem negro, aos 16 anos de idade. Quando aprendia a amar, sentir prazer, gostar de viver…foi martirizado ao estilo alagoano: bala na cabeça, estigma de drogado…Meu filho amado…

Que para o companheiro Carlos Martins venham mais que palavras, venha justiça! Que sua integridade física seja posta em destaque, na responsabilização do Estado que alimenta as feras.

Que a sociedade não entenda isso como um problema isolado da vítima. Pois essa indiferença é a causa da vulnerabilidade ampliada que a todos nós contempla.

Axé amigo Carlos.

2 respostas

  1. Parabens Ana por suas colocações, diariamente na periféria de maceió somos vítimas dessas polícia despreparada, desse sistema de segurança pública de alagoas e a o grande questionamento é até quando vamos viver assim. E nosso camarada carlos martins um pedido de desculpa do governador não basta, tem que ter é justiça e que ela seja feita.
    Forte axé irmão CArlos Martins, Forte axé minha amiga Ana

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