Repórter Nordeste

Bráulio: o rei aposentado

Luiz Nogueira Barros- escrito em março de 1992

Quinze anos ausente de Maceió e não pude ver o parto de alguns acontecimentos. Durante férias, muitas vezes assustei-me com o número de hotéis “estrelados”; o desbravamento de novas praias com suas barracas; o novo pólo cloro-químico; os filmes de sexo explícito no saudoso poeira “Cine Ideal” e, por fim, a mudança de hábitos. Maceió já era uma cidade cosmopolita e o progresso, como doutrina, cantado em prosa e verso. Busquei razões culturais levando em conta que elas regem atos conscientes de uma civilização. Tive dificuldades. A cidade havia sofrido o fenômeno da “dispersão periférica”: as antigas pobrezas periféricas haviam sido empurradas para mais longe, cedendo lugar aos novos ricos. Restava, era verdade, o circuito de pobreza lagunar Bebedouro-Ponta-Grossa-Vergel, reduto dos políticos para futuras ações. Afinal, eles não são de ferro e já haviam construído uma nova cidade turística na orla marítima. As novelas de televisão haviam chegado com toda a força e pareciam estar influindo, decisivamente, na formação dos hábitos e de novos ídolos.

Fui ao velho Teatro Deodoro visitar o meu amigo Bráulio Leite. Aquele que havia fundado um Centro de Artes no velho Seminário, com cursos de ballet, desenho, artes dramáticas, pintura, uma sinfônica, o MISA (Museu da Imagem e do Som) e tantas outras coisas. Aquele mesmo de quem ouvi, ainda em segredo, as falas de Calígula, de Albert Camus, para uma futura apresentação e obra, por difícil, reservada a poucos atores. E recordei das suas lutas: a construção do Teatro de Arena Sérgio Cardoso; da sua suspensão, por trinta dias, por se colocar contra a esposa de um governador que, inadvertidamente, cobriu com papel comum o salão nobre do teatro onde havia uma pintura do início do século; da sua campanha para conseguir novas cadeiras e a cortina do velho teatro; da sua recusa em ceder o piano de cauda para crianças-prodígio de certas escolas, que certas professoras desejavam ver tocando Dona Baratinha (para o encanto dos pais), quando havia um piano-armário, mais apropriado aos pequenos gênios; e das suas eternas brigas pela recuperação do teatro e tantas outras coisas.

E lá chegando não mais o encontrei. Havia se aposentado, cansado, e preferido o auto-exílio em Paripueira. Passei a saber das intrigas políticas. Num primeiro momento fiquei perplexo. Depois, conclui que a solução governamental confundiu arte e cultura com política partidária. E Bráulio preferiu aposentar-se. E desde então seus sucessores não conseguiram dar continuidade ao seu trabalho. E por quê? Por um problema de estatura entre eles e Bráulio? Por falta do governo? Por novas intrigas?
Até hoje o visito com alguma regularidade. Ele evita falar sobre o assunto. Respeito-o. Mas em seu olhar há sinais de um rei deposto, prematuramente. O problema é que, com ele também se foi o que havia de cultura em sua área, criando um vazio que aumenta cada dia, o que se torna trágico para Alagoas.

E Maceió continua feérica, com seus hotéis, motéis, cinemas, praias, turismo alucinado, novelas e retaurantes, num frenesi incontrolável. Mas sem cultura no campo das artes cênicas. O rei está aposentado! E o trono está vazio!

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