Somos feitos de materialidade e memórias.
Urge alimentar o corpo e manter a subjetividade aquecida, para que o equilíbrio da vida percorra a coluna vertebral e impulsione o cérebro a objetivar a existência com ações que ganham sentido no meio cultural.
No entanto, ao capitalismo falta este reconhecimento. Nos moldes primitivos de agora, onde todas as estruturas de dominação convergem para a finalização da fina camada de bem estar social no mundo, o caráter predatório acirrou seu modus operandis . O colorido do mundo banal, associado a festivos gritos de frivolidades, assumiu o comando dos direcionamentos populares na margem fenomênica dos processos, mas no fundo do lodo, a vida dói.
Essa é a camada invisível da vida social.
Por essa razão se tornou possível de maneira tão rápida a população de Maceió esquecer a outra margem da cidade, onde a Braskem dá as ordens, seja de desprezo ou de despejo.
A parte brilhante da cidade não quer lembrar da parte afundada em sofrimentos. Mas os bairros que se tornaram fantasmas não eram preenchidos de ideologias, apenas. Dentro de cada rua ou viela, pulsavam corpos vivos, histórias, memórias, atividades econômicas, gente trabalhando para viver e vivendo para trabalhar, como sói acontecer nas sociedades que travam mobilidade social baseada na economia.
Como visitante do lugar, guardo em mim mesma as histórias partilhadas com amigos moradores do Bom Parto e Bebedouro, onde a vivência pastoral reunia jovens militantes a sonharmos com um mundo melhor. Parecia uma cidade à parte, fervilhando movimento com muito mais ênfase do que o bairro onde na época eu tinha pouso, o também popularesco Poço.
No mês de dezembro Maceió brilhou na beira do mar, e isso foi lindo. Praças inauguradas como ofertas de espaços comunitários onde a vivência pode voltar a ter beleza, marcam o final de 2024 e o início de 2025. Tudo poderia ser perfeito, se não estivesse a cidade jogando seu lixo para baixo do tapete.
Nesta performance grandiosa, a mineradora Braskem segue beneficiada pela lentidão dos processos e indiferença da sociedade majoritariamente representada.
Em Maceió tem verão, e também tem a Braskem, responsável não responsabilizada pela perda de sanidade metal e emocional dos moradores que primeiro perderam suas casas e referências, passando a vagar entre milhares de outros, como personagens perdidos de uma história onde o poder silencia e sufoca.
A quem possa interessar, basta buscar com capricho, que descobrirá que nesta história caótica e desumana nem todos perderam; pois alguns, até lucraram com a recompensa recebida pelos imóveis que (para sorte deles) possuíam no local. Essa camada não pode ser qualificada como povo. São privilegiados ligados aos poderes, que também representam parcela mínima naquelas localidades.
O povo entrou na trama como personagens figurantes. Foi investido mais dinheiro para que a Braskem não aliviasse os danos causados, do que na própria causa.
Os vendilhões de decisões sempre estão a postos para o lucro.
A sociedade que não sabe defender a si mesma, está sempre ocupando o lugar da manada, servindo apenas para legitimar processos representativos quando para isso é chamada.
A ausência de glória saúda Maceió real.
Sem assistência psicossocial para tantos transtornos a história já contabiliza autocídios como fatos lamentáveis, apenas isso. Apenas isso?