Repórter Nordeste

Benefícios e ônus fiscais do crédito do BNDES

Thiago Pereira e Adriano Simões e André Carvalhal- Valor Econômico

De janeiro de 2009 a julho de 2010, a União  concedeu R$ 180 bilhões em empréstimos ao Banco Nacional de  Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tais empréstimos permitiram  ao banco dar sustentação ao vigoroso crescimento do orçamento de  investimentos e viabilizaram a atuação anticíclica no contexto de  aprofundamento da crise externa.

O crédito do BNDES afeta as  decisões de investimento por dois canais. Inicialmente o diferencial de  custo de capital faz com que parte dos projetos apoiados sejam  executados em função do menor custo de capital. O crédito do BNDES  também mitiga efeitos de falhas de mercado sobre projetos cuja taxa de  retorno justificaria sua execução com fontes de mercado mais caras, mas  que teriam sua execução impedida pelo racionamento de crédito ocorrida  em 2009 e em parte de 2010.

Existe um grande debate sobre o  impacto fiscal dos empréstimos da União ao BNDES, segundo o qual, dado  que os empréstimos têm custo indexado majoritariamente pela TJLP,  haveria, em princípio, “subsídio” igual à diferença entre o custo de  mercado do financiamento da União e a TJLP.

No texto para  discussão nº 1.665 do IPEA, argumentamos que esse cálculo, visto  isoladamente, pode suscitar conclusões equivocadas pois ignora os ganhos  fiscais resultantes das operações viabilizadas pelo empréstimo da  União, entre eles o lucro do BNDES, que retorna à União por meio de  dividendos, tributos e lucros retidos; o ganho fiscal de curto prazo,  decorrente da expansão do produto e da renda da economia; e o ganho  fiscal de longo prazo, resultante do fato de que a capacidade produtiva  da economia será maior nos próximos anos, viabilizando o crescimento da  demanda sem pressão inflacionária, maior Produto Interno Bruto (PIB) e  arrecadação fiscal mais elevada.

Em artigo publicado pelo Valor em  21/12/2011, de autoria do economista Marcio Garcia, intitulado  “Repasses ao BNDES: cornucópia?”, são feitas críticas ao nosso trabalho.  Críticas são sempre bem-vindas, mas devem ser apoiadas em informações  corretas. O referido artigo parte de premissa equivocada de que  encontramos um custo fiscal do empréstimo da União ao BNDES de R$ 50  bilhões, valor, segundo ele, subestimado. No entanto, o custo fiscal  total apresentado em nosso estudo é R$ 76 bilhões.

O artigo assume  a premissa também errada de que o pagamento de juros e principal ocorre  apenas no final do empréstimo, o que não se aplica aos financiamentos  concedidos ao BNDES. A parcela de R$ 100 bilhões possui pagamentos  mensais de juros e amortizações, com carência de principal de cinco anos  e prazo total de 30 anos. A parcela de R$ 80 bilhões tem pagamentos  mensais de juros e amortizações, com carência de principal de 20 anos e  prazo total de 40 anos. Além disso, o artigo não considera que R$ 8,7  bilhões foram emprestados a dólar mais 5,98% ao ano (custo de captação  da União no mercado externo à época, portanto, sem custo fiscal). Vale  lembrar que todos esses dados são públicos.

Para efeito de  ilustração e comparação com os números citados no referido artigo,  mostramos aqui um cálculo simplificado assumindo as mesmas premissas de  Selic e TJLP (10,25% e 6%, respectivamente), mas com fluxos de pagamento  mais próximos da realidade: R$ 91,3 bilhões amortizáveis dos anos 6 a  30; R$ 80 bilhões amortizáveis dos anos 21 a 40; e pagamento anual de  juros (TJLP) do BNDES para a União. O custo fiscal, calculado como a  diferença entre 10,25% e 6% aplicada ao saldo devedor, seria R$ 61  bilhões a valor presente. Em nosso artigo, fomos ainda mais  conservadores e utilizamos curvas de mercado, que embutem elevados  prêmios de risco, chegando a um custo fiscal de R$ 76 bilhões.

O  lucro anual do BNDES com essas operações pode ser calculado como 1,5%  aplicado ao saldo devedor e é estimado em R$ 26 bilhões a valor  presente. Vale ressaltar que a premissa de retorno de 1,5% é bastante  conservadora (o retorno sobre os ativos do BNDES variou entre 2,2% e  3,8% nos últimos cinco anos).

Em nosso artigo, analisamos também o  ganho fiscal de curto prazo decorrente da expansão dos investimentos  viabilizados pelo empréstimo da União. Para tanto, estimamos quanto do  investimento financiado pelo BNDES teria sido realizado por fontes de  mercado mais caras (linhas bancárias, debêntures e bonds). Nossos  modelos indicam uma contração (conservadora) de 28% da carteira de  projetos. Isso equivaleria a uma retração da ordem de R$ 68 bilhões no  investimento executado entre 2009 e 2010.

A não execução de R$ 68  bilhões no investimento redundaria em queda de R$ 101 bilhões na renda  agregada, se usarmos um efeito multiplicador da renda de 1,5 vez.  Considerando-se uma arrecadação tributária de 35% do PIB (ou 20% para  arrecadação líquida da União), o empréstimo ao BNDES gera um efeito de  curto prazo de sustentação da arrecadação de R$ 35 bilhões (ou R$ 20  bilhões federais).

Nosso estudo também busca mensurar os  benefícios tributários associados à expansão do produto potencial  resultante dos investimentos preservados, e estima efeitos fiscais de  longo prazo da ordem de R$ 60 bilhões. Esse resultado pode ser ainda  maior caso sejam considerados os efeitos das diversas rodadas de  financiamentos do BNDES aos projetos de investimento. Isso porque os  recursos alocados na primeira rodada de empréstimos retornarão ao banco  em prazo inferior ao prazo de repagamento contratado com a União.

O  objetivo do nosso trabalho é enriquecer a discussão sobre as  implicações fiscais dos empréstimos concedidos ao BNDES. É evidente que a  apuração exata dos custos e benefícios fiscais dos empréstimos da União  ao BNDES só será conhecida ao final do período desses empréstimos. Mas  nossos estudos revelam resultados positivos para a sustentação dos  investimentos no país e para a geração de retornos à União.

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