Beleza alagoana

Uma história de luta onde o amor faz o ritmo e o roteiro

O guerreiro e a baiana, Mestre Juvenal e Dona Maria Dolores

Ana Cláudia Laurindo- É cientista social

Alguns costumam se queixar da aparição de personalidades consideradas maus exemplos nos escritos e pensamentos acerca de Alagoas. Talvez estejam certos. Precisamos apreciar mais o que há de bom! Nessa procura, encontramos Mestre Juvenal e Dona Maria Dolores, com 77 e 71 anos, marcos da resistência da cultura popular alagoana, vivendo uma história de luta onde o amor faz o ritmo e o roteiro.

Ambos dançarinos, ele é “guerreiro” e ela é “baiana”. Para Mestre Juvenal “dançar é um divertimento, o melhor. E satisfação é estar numa sede ensaiando, desde criança, e só deixar quando morrer”. Mas as expressões desse gosto popular que tanto fala da história do nosso povo, estão sendo cada vez mais relegadas ao esquecimento ou espaços de conveniência, resultado do descaso e oportunismo dos nossos gestores públicos. A falta de incentivo deixa os grupos folclóricos sem estrutura, visível no desabafo de Mestre Juvenal: “o lado difícil de ensaiar o povo é não ter os trajes e a sede, o mais difícil mesmo é não ter a sede”. Mas garante que apesar das dificuldades tem o ‘tropé seguro’.

Ainda dança e com o chegar da idade sente diminuir a força no apito e na garganta, e já não consegue manter o ‘tropé’ de antigamente, mas resiste aos empecilhos estruturais e ao avanço da cultura de massa, garantindo que “ser alagoano é motivo de alegria. Alagoas é a terra que me trouxe o guerreiro, o folclore”, diz orgulhoso. Mas considera as diferenças de outrora, quando a violência não usurpara ainda o controle do próprio Estado, e diz saudoso: “antigamente se faltasse alguma coisa em casa a gente comprava na venda, de noite. Hoje não pode nem levar no pronto-socorro, porque não pode sair de casa. Se eu tivesse nascido hoje, não teria orgulho de ser alagoano”.

Dona Maria Dolores dançava baiana na Ponta da Terra, mas assassinaram o neto da sua mestra, que entrou em depressão e não ensaiou mais.

A alegria tem perdido largamente para a dor em nossa terra! Procurou outro grupo, mas a mestra operou o coração e também parou. “As substitutas não conseguiram continuar”, lamenta. Conheceu e teve como referência o Mestre de guerreiro alagoano João Amado, que se tivesse vivo contava com um centenário, e a mestra de baiana Terezinha de Oliveira, que ainda vivesse teria 90 anos.

O amor que os envolve é declarado por ambos: “O que une é a gente ser controlado, ela é uma pessoa que está na luta da minha vida”. Para Dona Dolores “ele é tudo! Enquanto ele viver nós somos uma alma em dois corpos”.

No arremate, o lamento foi uníssono: “Os novos não querem mais. A garotada de hoje não quer mais dançar guerreiro, depois que inventaram os trio-elétricos. Guerreiro é uma coisa de respeito, quando a gente canta uma música tirada na hora fala logo em Deus, Jesus, uma imagem. No meio de um milhão de jovens tem dois ou três que quer a cultura”.

Que Nossa Senhora defenda essa beleza!

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