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Aposta nas instituições

Luiz Paulo Horta- O Globo

Dilma dispara no Ibope. Dilma dá sinais claros de que não tem o menor jeito para a articulação política, e nem quer ter. Qual desses dois fatos é o mais importante? Você escolhe. O que é certo é que eles não se entrosam. E assim fica contratado um governo que vai ser (ou já é) um tecido de paradoxos.

Não vale a pena entrar em análises proustianas sobre a personalidade da presidente. Melhor ficar com os fatos.

Alguns deles são realmente bons. Por exemplo: o arquivamento das mentiras. Nos dois períodos Lula, em graus variáveis de intensidade, flertou-se abertamente com a mentira. Por pura esperteza (ou mediocridade) política, tentou-se vender ao país a teoria da “herança maldita”, que seria o legado do fernandismo. Um verdadeiro absurdo. Mas o próprio partido do ex-presidente – começando com seu hipotético herdeiro, Serra – fingiu que não viu, ou não ouviu. E assim o lulismo foi empurrando a sua tese maluca.

Dilma acabou com isso. Reconheceu publicamente as virtudes do ciclo FHC, onde estão fincadas as estacas que permitiram a Lula dois mandatos de abundância (e de muita sorte). Isso é de uma importância crucial. Veja-se, por exemplo, a Argentina de Cristina Kirchner, onde o governo começa por mentir na taxa de inflação. É pior do que inflação grande: é negar a realidade!

Se se derruba a mentira, passa a haver chão sobre o qual trabalhar. E qual é essa realidade brasileira que, ultimamente, anda encantando o mundo? É o fato, meio milagroso, de que há uma certa continuidade na história do Brasil; de que, em que pese o fator Cachoeira, houve muita gente, na nossa história, que trabalhou a favor do interesse público.

A lista é longa. Para não falar em Tiradentes, nem em D. João VI, lembremos a figura do regente Feijó, totalmente esquecido (é hoje modesta rua no Centro do Rio de Janeiro). Ele governou durante a minoridade de D. Pedro II, quando o país estava um caos. Fez das tripas coração, e jogou a bola para a frente.

Espírito público, e abundante, tinha D. Pedro II, que não merecia o fim que teve – morrer pobre, no exílio. Espírito público tinham o terrível Floriano, o magnífico Prudente de Moraes, e até alguns presidentes da República Velha.

Essa dedicação ao bem público vai costurando as instituições; e assim se viu, modernamente, um Fernando Collor ser despachado da Presidência sem que o mundo se acabasse. Assumiu Itamar Franco, que era um político menor; mas, com inesperada tranquilidade, ele se aferrou às instituições, fez o que lhe cabia fazer, e saiu debaixo de aplausos.

Acaba de sair um livro, muito elogiado, que atrela o destino das nações à questão das instituições. A Inglaterra pintou e bordou enquanto foi grande potência, mas soube cuidar das suas instituições. O legalismo do caráter inglês explica o prestígio de que até agora goza a sua monarquia – a bela teoria do rei que reina mas não governa. Elizabeth I cortou a cabeça de Mary Stuart. Mas quando Elizabeth morreu, quem herdou o trono? Um Stuart, porque era isso o que estava na lei.

Em sentido contrário, a China de hoje é um país totalmente desprovido de instituições. Por isso eles se apegam ao ícone de Mao: é tudo o que eles têm a título de patrimônio político. É claro que isso não dura eternamente. E quando vier a mudança, pode ser calamitosa.

Além da história das mentiras, há outra diferença entre Dilma Rousseff e Cristina Kirchner: a loba de Buenos Aires trabalha exclusivamente para o seu benefício pessoal e o do seu clã. Recebeu a faixa presidencial da própria filha, e agora apresenta o filho Máximo como herdeiro presuntivo. Neste momento, lá, o Executivo ataca o Judiciário, porque o Judiciário resolveu investigar os malfeitos do vice-presidente Boudou.

Aqui, não há indício de que dona Dilma esteja trabalhando em proveito próprio. Talvez por isso sua popularidade dispare. E quando vierem as crises (já estão vindo), ela pode refugiar-se no jogo correto das instituições. Que continua a ser possível, apesar das nuvens negras que, neste momento, cobrem o céu de Brasília.

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