Para analisar as eleições municipais deste ano, é preciso dar atenção ao processo histórico razoavelmente recente que foram as jornadas de junho no Brasil em 2013.
Um movimento que iniciou com o descontentamento pelo aumento do valor da passagem em algumas capitais brasileiras rapidamente escalou para uma grande revolta contra o governo Dilma, contra o PT e contra o sistema político como um todo.
Em 2013, foi a direita quem foi capaz de capitalizar o sentimento legítimo de insatisfação generalizada das pessoas, a indignação era contra o aumento da passagem, mas também contra os serviços de saúde e educação precarizados, contra o desemprego, contra a fome e sim também contra os casos de corrupção no Brasil, que não é um fenômeno atrelado ao governo do PT.
Com esse cenário inflamado de indignação, a direita utilizou das ferramentas que a esquerda desenvolveu através de lutas históricas para atrair a população em seus discursos mascarados de antissistema, mas que na verdade não propunham de fato nenhuma ruptura com a estrutura política e nem mesmo soluções que pudessem aplacar o sofrimento do povo.
Fruto desse processo são movimentos liberais como MBL e Vem Pra Rua, dirigidos por conservadores liberais e empresários que pregam a mentira da meritocracia e do empreendedorismo como forma de vencer na vida.
Meses após o boom das jornadas de junho, ainda teve o espetáculo midiático que foi a operação lava jato. Uma ação que mirou em combater a corrupção, apoiada no sentimento nacional, mas na realidade estava comprometida em desmontar a soberania de empresas públicas, como a Petrobras, em destruir o governo do PT, culminando no impeachment da Dilma, e teve a participação de operadores da justiça totalmente parciais, o que ficou provado anos depois quando os mesmos lançaram carreira na política, aliados de Bolsonaro.
A lava jato concretiza o plano de eliminar qualquer projeto de desenvolvimento nacional brasileiro. Assim como consolida a narrativa de que o partido dos trabalhadores é o símbolo da corrupção no país.
Então, 2024 ainda é um reflexo desse momento aberto no Brasil há pouco mais de 10 anos atrás, onde as pessoas estavam infelizes com a política e com o sistema, e elegeram a esquerda como principal culpada pelos problemas sociais.
Os processos eleitorais, desde então, refletem o rechaço da população aos representantes da esquerda brasileira. O PT não ultrapassava os 3 mil votos em Maceió desde 2016. Esse ano, o partido conquistou apenas 1 das 26 capitais com uma vitória extremamente apertada em Fortaleza.
Em contrapartida, o PL, partido de Bolsonaro, elegeu em 4 capitais, incluindo Maceió. E os partidos de centro-direita, os donos dos montantes milionários dos recursos do Orçamento Secreto, dominaram mais de 70% das prefeituras Brasil afora.
Apesar desse domínio massivo da direita, chama a atenção o número de abstenções nesta eleição. Mais de 9,9 milhões de eleitores não foram às urnas no 2º turno. Então, o sentimento antipolítica só cresce no país.
Neste cenário, a responsabilidade da esquerda brasileira é gigantesca. É preciso romper com a lógica que transformou os partidos em aglomerados de mandatos, que só funcionam no entorno de um gabinete parlamentar, preocupados com a reeleição e ignorando que o povo está sendo disputado pela política assistencialista da direita.
A direita utiliza hoje as técnicas da esquerda nos anos 90 e 2000. Tomaram as associações comunitárias e as periferias através dos institutos. Onde estão os parlamentares que representam a esquerda nesse processo? Quais projetos estão sendo concretizados nas periferias e quebradas das cidades organizados por parlamentares de esquerda? À medida que se aproximavam da academia, se distanciaram do povo.
As pessoas não se alimentam de PIB nem de teorias acadêmicas. Não adianta dizer que o PIB cresceu e que a taxa de desemprego caiu, se as pessoas não conseguem relacionar essas melhorias aos governos de esquerda.
O presidente Lula é o representante legítimo dos trabalhadores porque comunica diretamente com as populações mais pobres desse país. Realizou programas que interferem diretamente na realidade material das pessoas. O povo brasileiro sabe reconhecer isso. Reconhece o trabalho que foi feito. E é preciso trabalhar para reconquistar a confiança da população brasileira no projeto de país que nós apresentamos.
Para vencermos a direita e nos defendermos do centrão precisamos de criatividade, coragem e efetividade na comunicação. Enquanto as lideranças partidárias estiverem preocupadas com a manutenção dos cargos, disputas internas e com a estética da gravata e do ar-condicionado seremos derrotados.
Nós não devemos ser os defensores de um sistema falido, só porque a direita usa a estratégia de atacar as instituições democráticas. Devemos sim defender a democracia, mas sem medo de enfatizar as limitações gigantescas que esse sistema impõe para a ascensão do povo pobre e trabalhador.
A gente precisa fazer coro com a insatisfação do povo, que é legítima, e disputar com a direita a consciência dos nossos irmãos. Não são eles que têm a saída para os problemas da sociedade, somos nós, a esquerda, e é essa legitimidade que precisamos retomar frente ao nosso povo.