Ainda é possível restabelecer-se a paz federativa

O Globo

Ainda é cedo para se afirmar que o Congresso tenha recuperado a sanidade, passados alguns dias da lamentável tentativa de avaliar em uma única sessão cerca de três mil vetos presidenciais (alguns deles há doze anos na fila de espera!), com o objetivo exclusivo de saciar a obsessão que se criou no parlamento em torno dos royalties do petróleo extraído no mar.

O veto da presidente Dilma aos artigos da lei que define novos parâmetros para distribuição de royalties incidentes sobre a produção de futuros campos de petróleo no mar não foi um mero gesto político com vistas a proteger o Rio de Janeiro ou o Espírito Santo. A presidente foi bem orientada por sua assessoria, e esperou até o último momento para tomar a decisão. Diante de tantos questionamentos ao projeto aprovado no Congresso, sob forte pressão de governantes de estados e municípios não produtores, Dilma tentou evitar uma disputa judicial capaz de comprometer a paz federativa. Há tantos temas em pauta, importantes para o país, que, sem um entendimento entre União, estados e municípios, não se chegará a bom termo. É o caso, por exemplo, de diversos aspectos da reforma tributária que o governo está encaminhando ao Congresso, costurando um acordo com o propósito de pôr uma pá de cal na guerra fiscal que tem sido travada entre vários estados.

No bojo desse acordo, encontrou-se uma solução razoável para a correção de dívidas dos estados e municípios com a União. E haverá uma significativa simplificação na tributação de transações comerciais interestaduais.

O projeto sobre royalties aprovado no Congresso não é favorável ao Rio de Janeiro, ao Espírito Santo e mesmo a São Paulo. Muitos dos campos de petróleo que já estão operando no litoral desses estados estão com produção em declínio, e os que se encontram na fase de desenvolvimento talvez nem cheguem a recuperar tal redução. Isto significa que o forte crescimento projetado para a produção nacional de petróleo deverá ocorrer em blocos ainda a serem licitados, cujas regras de distribuição de royalties passarão a ser aquelas aprovadas pelo Congresso, e mantidas pela presidente. Rio de Janeiro e Espírito Santo resistiram inicialmente a essas mudanças, mas acabaram cedendo, dispondo-se a não questioná-las judicialmente, em nome da paz federativa. Com os contratos em vigor, essas unidades federativas teriam um tempo para ajustar suas finanças.

O inadmissível, porém, seria mudar as regras do que já está em produção. Estados e municípios não teriam mesmo alternativa a não ser recorrer à Justiça para assegurar seus direitos, ao amparo da Constituição. Talvez, com cabeça menos quente, os líderes mais experientes possam nas próximas semanas se mobilizar para restabelecer o necessário equilíbrio no Congresso.

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