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Ainda a falta de creches

Editorial do Estadão

A oferta imediata de vagas em cre­ches públicas, em número suficien­te para atender to­da a demanda, é uma obrigação constitucional. Está na Emenda número 59, de 2009. Mas a lei, ora a lei, mui­tas vezes só existe para lembrar que a incompetência adminis­trativa supera com sobras a cha­mada “Vontade do legislador”. Agora se chegou ao cúmulo de matricular crianças em creches que nem sequer existem, como acontece no Município de São Paulo. Tal situação vem culmi­nar um descalabro quê não co­nhece fronteiras – no País to­do, em todos os níveis adminis­trativos, é patente o descaso com os pais de famílias pobres que não têm com quem deixar seus filhos pequenos quando saem para trabalhar.

Todo ano de eleição, o fenô­meno se repete religiosamente: candidatos acotovelam-se em palanques prometendo uma profusão de creches, pois sa­bem que se trata de uma neces­sidade urgente. Uma vez eleita, porém, essa turma se esmera em desculpas esfarrapadas pa­ra deixar a promessa em algum canto empoeirado de seu gabi­nete, enquanto obras de importância questionável, como os es­tádios da Copa de 2014, er­guem-se imponentes e são inau­guradas com pompa por orgu­lhosas autoridades – a presiden­te Dilma Rousseff incluída.

Foi Dilma, porém, que, na campanha presidencial, jurou que construiria 6.427 creches em quatro anos. Seria necessá­rio, para cumprir essa fabulosa oferta, inaugurar 5 creches por dia. Terminados dois anos do mandato, Dilma entregou me­nos de 10, ao todo.

No final de janeiro, a presi­dente anunciou a liberação de novas verbas para tentar acele­rar a construção de creches, dando um bônus para as vagas destinadas aos filhos de famí­lias atendidas pelo Bolsa-Família. A presidente disse esperar colaboração maior das prefeitu­ras – o governo federal atribui aos prefeitos parte da respon­sabilidade pelo atraso na cons­trução de unidades, ou porque demoram a apresentar proje­tos para receber o financiamen­to ou porque cometem irregu­laridades diversas.

Nem as mais de 6 mil cre­ches prometidas por Dilma – mesmo que por milagre saltas­sem do papel para a vida real – dariam conta do déficit atual no País, que está em torno de 20 mil. Isso é resultado de dé­cadas de inépcia. Na capital paulista, há quase 4 mil crian­ças matriculadas em escolas e creches que ainda não foram entregues.

A atual administração, de Fernando Haddad (PT), culpa a gestão anterior, de Gilberto Kassab (PSD), dizendo que ela cortou verbas destinadas à con­clusão das obras, atrasando o cronograma, e ainda por cima matriculou crianças de modo irregular. Por meio de assesso­res, o ex-prefeito disse que te­ve de aceitar as matrículas pa­ra que “o atendimento fosse di­mensionado” e que seu suces­sor conhecia o cronograma das obras. É o tradicional jogo de empurra.

Agora, segundo a Secretaria de Educação, 1.600 crianças matriculadas nas creches que não existem devem aguardar o surgimento de vagas verdadei­ras. No caso dos alunos inscri­tos em pré-escola, as famílias poderão aguardar o fim das obras ou matricular seus filhos em outras unidades que, natu­ralmente, ficarão superlotadas.

Somente na cidade de São Paulo, há 94 mil crianças cadas­tradas à espera de uma vaga em creche, e calcula-se que a demanda real supere 100 mil. Em nível nacional, dados do go­verno federal indicam que me­nos de 20% das crianças de até 3 anos estão matriculadas. Es­se cenário, contraria o Plano Nacional de Educação encerra­do em 2010, que fixara como meta ampliar essas matrículas para 50% até 2011. Agora, a mesma meta ficou para 2020.

À necessidade de que essa demanda seja atendida o mais rápido possível é óbvia, não só porque é obrigação legal do Es­tado dar atendimento às famí­lias pobres com filhos peque­nos, mas porque as creches são a primeira etapa da educa­ção básica. Ademais, para um país que tem uma mulher na Presidência, já deveria ter fica­do clara a importância de per­mitir que as mães tenham um lugar adequado para deixar os filhos e, assim, possam estu­dar e trabalhar como todos os outros cidadãos.

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