Agências reguladoras: basta vigiar e punir?

Proponho outra explicação. Nos últimos anos, as agências aumentaram a quantidade e o valor das multas aplicadas. Não necessariamente porque os serviços públicos tenham decaído em qualidade. Embora longe da perfeição, a qualidade vem melhorando, inclusive pela pressão dos consumidores e dos órgãos de defesa

Floriano de Azevedo Marques Neto -Professor Associado da Faculdade de Direito da USP, é presidente da Associacion Iberoamericana de Regulación-Correio Braziliense

São  assustadores os valores das multas aplicadas pelas agências  reguladoras. Entre 2008 e 2010, só a Anatel aplicou mais de R$ 5,8  bilhões; a Aneel, quase R$ 1 bilhão. Desses valores só parcela ínfima é  efetivamente arrecadada. As teles pagaram menos de 5%, as elétricas  pouco mais de 10%. O senso comum apontaria para a impunidade das  agências e a ineficiência do Judiciário.

Proponho outra  explicação. Nos últimos anos, as agências aumentaram a quantidade e o  valor das multas aplicadas. Não necessariamente porque os serviços  públicos tenham decaído em qualidade. Embora longe da perfeição, a  qualidade vem melhorando, inclusive pela pressão dos consumidores e dos  órgãos de defesa.

O incremento das multas se deve a desvio  regulatório. As agências, nos últimos anos, deslocaram o foco da  regulação preventiva e prudencial para as atividades de fiscalização e  sanção. Saudavelmente pressionadas pela sociedade, órgãos de controle e  imprensa, muitas agências buscam se legitimar pelo mecanismo fácil da  punição. Na Anatel, ficou tristemente célebre um dirigente que, no fim  das reuniões do conselho, fazia a soma de multas aplicadas e comemorava  cada novo recorde.

Porém uma agência que pune muito, na verdade  não está cumprindo seu papel. É doente uma sociedade que tem de  encarcerar muita gente. Da mesma forma, não é saudável um setor  regulador em que predomina a função sancionatória. Se há muito que  punir, é porque a regulação falhou e o setor funciona mal.

A  prática de aplicar multas exorbitantes com caráter exemplar é negativa  por várias razões. Leva o regulador a acreditar que cumpre seu papel  punindo, quando na verdade o bom regulador é o que previne a falta. Gera  uma crise de confiança entre regulados e usuários. Acarreta  desproporcionalidade nas sanções e vícios legais, pois, para punir mais e  rápido, regras são atropeladas. Disso vem o aumento do questionamento  das punições, sobrecarregando o Judiciário. Resultado: quase todas as  multas são contestadas e deixam de ser recolhidas. Logo, resta um  regulador desacreditado e ineficaz.

Mesmo que as multas fossem  integralmente recolhidas, não seria positivo. A sanha punitiva das  agências transforma o poder de sanção em mecanismo de arrecadação, não  de correção de falhas. Imaginemos que as teles recolhessem já, de uma  vez, os quase R$ 6 bilhões que supostamente devem. As contas públicas  agradeceriam, mas os recursos sangrariam a capacidade de elas investirem  em mais e melhores serviços para os consumidores.

Sanções  exageradas podem ensejar aumento dos preços nos serviços não tarifados. É  duvidosa a eficiência das multas para corrigir condutas das empresas. A  pena pode até cumprir papel corretivo, mas a experiência demonstra que  maior punição não basta para dissuadir condutas infratoras. Para ficar  num só exemplo, as multas de trânsito aumentaram em número e valor, mas a  imprudência só faz crescer. Porém é certo que retirar bilhões das  empresas não ajuda a melhorar a qualidade.

Não é possível uma boa  regulação sem que a agência disponha da prerrogativa de punir. Contudo a  sanção deve ser o último recurso do bom regulador. Regulamentar bem os  serviços, monitorar permanentemente o desempenho das empresas, melhorar  os canais com os consumidores, fomentar e exigir os investimentos  necessários, tudo isso precede e supera em resultados a punição  desenfreada.

Há mecanismos mais modernos e eficientes para tornar a  regulação efetiva. As agências devem buscar mais e mais mecanismos  alternativos às sanções. Como ocorre no direito penal com as penas  alternativas, e no Ministério Público com os termos de ajustamento de  conduta, seria muito mais producente se as agências recorrerem a  mecanismos substitutivos de sanção, sem caráter arrecadatório.

Em  vez de multar, comprometer a empresa a reparar sua falta, investir em  melhorias e evitar a repetição da má conduta. Várias agências têm usado  os acordos substitutivos com sucesso para ressarcir diretamente  consumidores, com descontos ou franquias de serviços. Ou então para  comprometer empresas a fazer investimentos que não sejam obrigatórios,  mas que assegurem reduzir ou evitar falhas.

A razão de ser da  regulação é assegurar as melhores condições de fruição de um serviço  pelos usuários, presentes e futuros. Encher os cofres da União com  bilhões que poderiam ser aplicados no interesse dos consumidores é  desvio de finalidade do regulador. Como ensinam os pedagogos, melhor do  que o castigo é a ação que evita o desvio.

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