Ícone do site Repórter Nordeste

Abismo fiscal

Paulo Nogueira Batista Jr.- O Globo

Passadas as eleições presidenciais e parlamentares, o grande assunto aqui nos Estados Unidos é o chamado “fiscal cliff” (abismo fiscal), expressão cunhada pelo presidente do Federal Reserve. A metáfora dramática se justifica. A partir de janeiro, entram em vigor diversos aumentos de carga tributária e cortes de despesa que, no seu conjunto, têm o potencial de precipitar um colapso da demanda agregada.

A menos que o Executivo e o Congresso cheguem logo a um acordo para desativar a ameaça, os Estados Unidos correm sério risco de caírem em nova recessão com inevitáveis repercussões sobre o resto do mundo. No momento, trata-se do maior risco externo para a economia brasileira, que já experimenta grandes dificuldades para retomar o crescimento e não precisa de complicações adicionais.

O pano de fundo do abismo fiscal é conhecido: a economia americana vem se recuperando no passado recente, mas de maneira lenta e vacilante. Os níveis de produção crescem pouco e o desemprego continua alto. Nessas condições, uma forte contração fiscal – estimada em mais de US$ 600 bilhões – pode ser desastrosa para os EUA.

Nas circunstâncias, não haveria como compensar efeitos da contração fiscal sobre a atividade econômica e o emprego. Os EUA, como outras economias, já esticaram a política monetária ao seu limite. As taxas de juro estão próximas de zero e a expansão monetária tem pouca ou nenhuma possibilidade de estimular a demanda.

É a célebre “armadilha da liquidez” diagnosticada por Keynes durante a Grande Depressão da década de 1930.

O setor externo tampouco pode ajudar. A Europa atravessa crise ainda maior. A área do euro está em recessão e deve continuar em recessão em 2013. Os principais emergentes, inclusive China, Índia e Brasil, estão crescendo menos. Nesse ambiente, os EUA dificilmente conseguirão mitigar via exportações o efeito recessivo dos aumentos de impostos e dos cortes do gasto público.

As análises indicam que o impacto de políticas de austeridade fiscal tem sido bem maior do que se previa. Os “multiplicadores fiscais” estão se revelando surpreendentemente elevados em economias de baixo crescimento e capturadas em armadilhas de liquidez. É o que mostram estudos do FMI. A adoção de políticas de ajustamento fiscal vem produzindo espirais recessivas, que acabam solapando a própria correção de desequilíbrios nas contas públicas. Essa conclusão é válida particularmente para os europeus em crise e também para os EUA.

O drama dos americanos transcende o abismo fiscal. O impasse atual é um capítulo de uma questão muito maior: a disfuncionalidade do sistema político americano e a sua incapacidade de gerar acordos básicos. Em consequência, a economia do país pode ser empurrada para um caminho que ninguém em sã consciência gostaria de vê-la trilhar.

É a marcha da insensatez, uma vez mais.

Sair da versão mobile