Repórter Nordeste

A poesia do sertão, a dor e os ipês


Descobri a razão pela qual o sertão é tão cantado, sentindo a sua magia, desde uma visita quando estava verdejante, a essa última que fiz, encontrando-o seco e sofrido, sob a tutela do sol abrasador.

No entanto, como ignorar o perfil amoroso dos ipês, distribuindo flores amarelas, vermelhas e roxas, nos vastos pastos marrons, de capim queimado que não mata mais a fome do gado?

Acompanhando a dolorosa busca da água nos restos de açudes, feito poças lamacentas, pelos bois, vacas e bezerros, recordei as linhas de “O quinze”, de Rachel de Queiroz, lidas na minha adolescência curiosa, e o quanto aquela sequidão descrita me parecia exagero da autora.

Meus olhos de menina acostumada ao verde-exploração da cana-de- açúcar, jamais haviam visto de tão perto as agruras da seca.

Toda repulsa que tive por “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, aos 13 anos de idade, quando fui obrigada a resumir o livro para obter nota de Português, me retornou em nova forma; numa roupagem de resignação, solidariedade e compreensão política dos efeitos da longa estiagem.

Vi a riqueza em carros de luxo e o menino no carro-de-boi, usado para transportar esperança de alívio!

Para implementar o percurso, histórias. Fatos reais narrados como se fossem livros novos, falando da morte do gado por sede e fome. Os insucessos dos pequenos criadores, e a certeza das perdas para recomeçar adiante.

Recordei a casa sertaneja na qual havia entrado na mesma mahã, percebendo nas paredes mais imagens de santos do que móveis no chão. A fé, essa palavra fácil de pronunciar, humílima em estrutura gramatical, mas com a condição de transmitir aos indivíduos forças que todas as previsões desconhecem, impulsiona o homem sertanejo à resistência.

Contudo, condenar esse desbravador a figurar esse papel sem previsão de fim, é uma anomalia cruel.

A seca é mote de discurso e fonte de renda aos cofres públicos, há tempo demais, para continuar acontecendo e impactando tão violentamente na vida sertaneja.

Dificil imaginar como essa angústia ressequida tem sido reproduzida pelas gerações.

Mais dificil ainda é perceber que as perspectivas de superação dos vícios políticos, são remotas.

Volto os olhos para a estrada longa e quente, passam homens, mulheres, meninos…seus bois magros,

jumentos…mandacarus, roçados perdidos e ipês graciosos.

Fixo a imponência dos ipês!

Um dia esses povos reconhecerão a direção da força de mudança e tomados pelas marcas do sofrimento, resistirão ao arrastar das tradições infames, dizendo não ao poder omisso e opressor que transforma um fenômeno natural previsível em destruidor de sonhos, para conduzir as gerações no rumo dos interesses sempre mesquinhos da política infame.

Encerro o dia na esperança de novos livros, novos histórias e memórias ao sertão nordestino.

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