A mídia e a banalização da violência: Nenhuma contribuição para uma cultura de paz

Marcelo Henrique Pereira, Mestre em Ciência Jurídica

Inegável a importância da mídia no cotidiano da família brasileira, como de resto em todos os países do globo. Os meios de comunicação são, estrutural e marcantemente, formadores de opinião, influindo, desde tenra idade na constituição e desenvolvimento da personalidade humana.

Em dias de competitividade no mercado e de acirrada luta pela sobrevivência, a ausência prolongada do lar, as dificuldades de “encaixe” de horários para a convivência familiar e o conflito entre pessoas ou gerações, elege os aparelhos televisivos e a internet como os companheiros possíveis para entretenimento, lazer e até prazer.

Sem entrar no mérito da questão dos relacionamentos humanos, o desprestígio dos casamentos e a dicotomia de interesses, vale salientar que as mídias não são, idealmente, boas nem más, mas neutras, porque possibilitam o acesso a diversificados conteúdos e são movidas por apelos comerciais – notadamente anúncios e consumidores. Há, assim, conforme o ângulo de visão, efeitos positivos ou maléficos de programas, canais, sites e redes. O “filtro” deve ser o próprio indivíduo, ou, quando não possa fazê-lo (principalmente pela questão de maturidade cronológica e psicológica), os seus “responsáveis” legais.

Em paralelo, quem de nós encontra-se suficientemente maduro para realizar “boas” escolhas? Quantas vezes nos sentimos atraídos por programas ou conteúdos de gosto banal ou duvidoso? Há algum “limitador” que não seja nossa própria consciência? É possível estabelecer freios ou “censuras”? Não somos, nós, os senhores de nós mesmos, os responsáveis por nossas opções e, num amplo espectro, assumimos as conseqüências de nossas escolhas, racional e conscientemente?

Há, em nosso país e no plano político-social, uma diretriz governamental que disciplina a classificação dos programas televisivos, recomendados ou aconselháveis para dadas faixas etárias e distribuídos, na grade de programação, para tais e quais horários, permitindo-os ou vedando-os. Em paralelo, as operadoras de TV paga (cabo ou antenas) já dispõem, também, de mecanismos “limitadores” ou bloqueadores, visando, sobretudo, evitar que crianças acessem o conteúdo de programas ou canais vistos por pessoas adultas, geralmente seus próprios pais. São, evidentemente, alternativas para conter a banalização do erotismo, do sexo, da violência, da agressividade, etc.

Se é, sociologicamente, demonstrado que a TV e, também, a internet (por si sós) não são capazes (sozinhas) de alterar o comportamento das pessoas, não é absurdo dizer que o “poder” de influência que elas possuem, junto a outros elementos sociais, para provocar a alteração dos padrões de comportamento, da expressão das idéias e do relacionamento interpessoal. Família, igreja, grupo de trabalho, comunidade escolar, vizinhança, etc., também produzem tal influência nos indivíduos.

Todavia, todos os dias, a televisão banaliza a violência, principalmente quando, a pretexto de produzir notícia, as pautas e a configuração de matérias e programas recorre ao sensacionalismo para “cativar” seu público, para “ganhar” audiência, e, com ela, novos patrocinadores, que promoverão, a seu turno, a roda-viva de “aperfeiçoar” a mídia, que terá mais anunciantes, e assim, sucessivamente.

Um dos graves erros que percebemos é a escolha das periferias e bairros pobres como “foco” e ambiente das pautas jornalísticas. Associando marginalidade à violência, a generalização leva à idéia de que a maioria dos moradores destes locais são, potencial e naturalmente, violentos, o que é uma grave inverdade. Poderíamos, aqui, abrir espaço para a discussão sociológica da influência indivíduo-meio-indivíduo, mas não o faremos, por razões óbvias: é possível encontrarmos gente “boa” em lugares inóspitos ou degradantes, como vice-versa.

A questão é que, ao assistirmos, cotidianamente, as reportagens sobre as mazelas sociais, sem recorrer ao controle remoto e com o intuito de “estar por dentro” do que acontece em nossa cidade, muitas vezes ficamos reféns dos efeitos que tais fatos televisivos produzem em nós. Sem nos apercebemos, acabamos sendo influenciados, demonstrando, por vezes, irritabilidade, medo e agressividade, mesmo inconsciente.

Isto, sem falar na diferença (e competitividade) que existe entre as emissoras. As maiores, por exemplo, possuem um grupo maior de repórteres, câmeras e editores, o que proporciona uma “melhor” edição do que irá ao ar. E, não raro, tendo em vista os muitos interesses em jogo (econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, publicitários, etc.), tem-se a apresentação, por determinadas emissoras ou redes, de matérias que possuem uma “mensagem alternativa” ou, em muitos casos, a “mensagem subliminar”. Omissão, adaptação ou “maquiagem” são, assim, instrumentos conhecidos no jornalismo contemporâneo, não significando, contudo, que “todas” as mídias ou empresas, e “todos” os profissionais ajam desta maneira. Temos, indiscutivelmente, de norte a sul do país, exemplos éticos suficientes, que excepcionam a descrição anterior.

Por fim, há também uma diferença capital no “formato” das matérias. A maioria, nos casos de exibição de crimes e violência, apresenta apenas o “fato” jornalístico, com seus desdobramentos. Outros, na esteira do chamado “jornalismo investigativo”, preocupa-se em chamar a atenção para a falta de políticas públicas, o descaso governamental e as chamadas “crises” da Sociedade: fragmentação e estratificação social, preconceito, exclusões, desemprego, marginalidade…

No primeiro caso, nenhum contributo efetivo para a erradicação do problema da violência ou para a busca da paz. E, se não somos ingênuos ao ponto de ansiar para que a mídia apresente, todos os dias, matérias enaltecendo as boas ações de pessoas e instituições em nossa Sociedade (já que o bem não “vende” publicidade, nem cativa o interesse da maioria), pelo menos saibamos diferenciar entre estas e aquelas mídias, escolhendo aquelas que invistam na sedimentação de uma cultura de paz, apresentando soluções viáveis, chamando a atenção para os problemas (reais) de nossos convívios e, acima de tudo, cooptando o cidadão do bem para que ele “se mexa” e faça algo concreto na direção na pacificação de nossas relações.

A propósito, que mídia você prefere?

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