A indústria nacional do cobre e a informalidade

A informalidade no Brasil retira o que há de mais sagrado no jogo da competição e da eficiência: a igualdade entre os agentes de mercado, o chamado "level playing field"

Luiz Antonio de S. Q. Ferraz Jr.- administrador de empresas formado pela FGV-SP, é diretor-presidente da Paranapanema-Valor Econômico

Sem embargo do crescimento econômico brasileiro  nos últimos anos, existem ainda dois aspectos que colocam o país em uma  posição de profunda inferioridade se comparado a outros mercados  concorrentes, como o americano, o europeu e o asiático: a complexidade  do nosso sistema fiscal e a existência de um elevado grau de  informalidade. A complexidade do sistema tributário leva a sequelas já  conhecidas, como o grande número de taxas e impostos, o alto custo de  compliance fiscal para as empresas e um quadro de guerra fiscal entre as  unidades da federação que acabam por beneficiar somente produtores  estrangeiros, em detrimento da indústria nacional e das finanças  públicas estaduais. Todavia, existe algo ainda mais perverso nesse  cenário que é o elevado grau de informalidade da economia.

A  informalidade no Brasil retira o que há de mais sagrado no jogo da  competição e da eficiência: a igualdade entre os agentes de mercado, o  chamado “level playing field”. Chancela o oportunismo de agentes sem  porte e que não geram valor ao país, permitindo-lhes suplantar as  indústrias aqui estabelecidas, e que investem pesadamente em tecnologia,  formação de mão de obra e infraestrutura.

No caso da venda de  produtos de cobre no Brasil – indústria que movimenta R$ 6 bilhões por  ano – a informalidade é alarmante. O quadro atual de evasão fiscal torna  impraticável a competição, na medida em que os ganhos de eficiência e  produtividade jamais conseguem ser compensados pelo oportunismo fiscal,  ainda mais em uma indústria que se vale em grande parte de uma commodity  (concentrado de cobre) na agregação de valor. Mais especificamente,  cabe ressaltar o altíssimo grau de informalidade na comercialização de  sucata de cobre. É que a sucata, ao lado do catodo de cobre, é o  principal insumo para a fabricação de tubos, fios e outros produtos de  cobre.

Ocorre que se aproveitando de uma sonegação quase que  generalizada no setor de sucata, empresas que atuam à margem da  legalidade se valem da sucata como insumo para fabricar produtos de  baixíssima qualidade e que são comercializados sem o devido pagamento do  tributo. Para tanto, valem-se de expedientes como a exportação  fictícia, o passeio de notas fiscais e até mesmo o roubo de cargas e de  infraestrutura pública – como fios de telecomunicação – impondo uma  concorrência predatória em todos os sentidos. Os principais prejudicados  são inequivocamente os estados brasileiros – face à sonegação – e os  cidadãos brasileiros, que adquirem produtos sem padrões mínimos,  colocando até mesmo vidas em risco, como, por exemplo, quanto ao cobre  de má-qualidade utilizado na construção civil.

De modo a alterar  esse quadro, a Associação Brasileira do Cobre (ABC) vem propondo medidas  corretivas que permitiriam reduzir drasticamente a informalidade na  comercialização de sucata. Entre essas medidas está a que pretende  alterar o atual regime de tributação do ICMS que contempla situações de  diferimento nas operações internas e tributação nas operações  interestaduais. Ou seja, permite operações internas de compra de sucata  sem tributação na compra que podem redundar em processo de  industrialização sem tributação também na saída do produto  industrializado.

Em operações interestaduais permite a  transferência de créditos de um estado para o outro, sem, em muitas  vezes, pagamento na saída da sucata comercializada. Por isso, a ABC  propôs a adoção de um convênio perante o Conselho Nacional de Política  Fazendária (Confaz), concentrando a arrecadação de todo o ICMS da sucata  nas mãos das grandes empresas industrializadoras. Com essa medida, se  retiraria do mercado informal de sucata a possibilidade de arbitrar o  valor do ICMS, seja pela transferência de créditos fictícios seja pela  sonegação no produto final industrializado por terceiros.

Trata-se  de uma medida de urgência que representaria um novo marco na tributação  do cobre no que se refere ao ICMS com vistas a eliminar as situações de  sonegação acima mencionadas. Remediaria assim um sistema equivocado da  tributação do cobre que está em vigor há quase 30 anos.

Ao lado  dessa medida, a ABC também propõe um acordo setorial, dentro do escopo  da Lei de Resíduos Sólidos. Este, por sua vez, imporia a obrigatoriedade  da coleta reversa da sucata, afastando agentes sem estrutura e  responsabilidade social e ambiental para atuar no processo de  comercialização de produtos de cobre.

Além das medidas acima  mencionadas, competiria aos órgãos públicos criar outros mecanismos de  controle, como obrigações acessórias que pudessem identificar a compra  de sucata com a receita oferecida à tributação nas declarações de renda  das empresas e das pessoas que estejam envolvidas com a comercialização  do cobre. Em suma, trata-se de medidas de urgência e que não se esgotam  em si próprias, posto que o setor reclama uma atenção mais contínua da  legislação e dos órgãos de fiscalização.

Por outro lado, o  abandono da inércia do atual quadro regulatório do setor contribuiria  para uma depuração dos agentes hoje atuantes e, consequentemente, o  crescimento ordenado e responsável da indústria nacional de cobre. Em um  momento de acirramento da competição em bases globais, e diante das  oportunidades que se apresentam em nosso país, não podemos mais pecar  por omissão. O atraso em relação a outros mercados no que tange a  eliminação da informalidade tem que ser sanado já. Que fiquem os que  querem aqui ficar e não os que estão – informal e oportunamente – a  passeio.

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