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A imagem do Cristo alagoano que suava, mas a história foi esquecida (ou nunca existiu?)

Na igreja do Bom Jesus, em Matriz de Camaragibe (70 km de Maceió), a imagem do Cristo crucificado erguido atrás do trono e do altar impressiona pelo tamanho, beleza e sofisticação dos detalhes: o artista desconhecido reproduz na pintura sobre a madeira talhada as chagas, o sangue, o sofrimento no rosto, a coroa de espinhos, a presença da morte.

O corpo magro seminu na cruz, a cabeça pendurada e o queixo levemente encostado entre o peito e ombro direito resumem a sentença capital mais famosa da história.

É assim até hoje. Mas há 82 anos, a imagem virou o centro das atenções na época da então vila da Matriz e o extraordinário caso atraiu a imprensa nacional.

Fiéis juravam que gotas de suor escorriam daquela personificação do corpo e do sangue de Jesus. Mãos e lenços procuravam enxugar o ídolo: era um milagre. Romeiros vinham em busca do suor sagrado

Em 8 de agosto de 1939, o Diário da Noite (Rio de Janeiro) publicava em uma pequena nota no alto da página 4 a manchete: “A multidão quer ver o Cristo que sua”. No subtítulo, “o caso sensacional da imagem da matriz de Camaragibe”.

Dizia que antigas lendas dos escravos falavam de imagens que suavam ou se movimentavam.

“O comerciante Olympio Lima declarou à reportagem ter visto a água sagrada escorrer em abundância do corpo crucificado, não apresentando a madeira fenda alguma”, descreve o Diário da Noite, afastando a possibilidade de fraude. “Os romeiros que afluem em grande quantidade a Camaragibe enxugam o suor sagrado com lenços, guardando os sudários como preciosa relíquia”, explica a publicação.

A construção da igreja de Matriz é ligada à ficção e realidade: os holandeses não invadiram Matriz no século 17 porque viam naquele local tropas armadas prontas para a defesa. O exército nunca existiu, era um milagre do padroeiro Bom Jesus.

Também o padroeiro escolheu o lugar para a construção a igreja: ele desaparecia da antiga capela e aparecia no local onde hoje é a igreja. Dizem que a cena se repetiu várias vezes. O povo entendeu o recado dos céus. A igreja de grossas paredes de pedra, carregadas por escravos, ficou pronta em 1700.

Curas milagrosas eram e ainda são associadas ao padroeiro. Como as primeiras gotas de suor do Cristo crucificado, registradas em 5 de agosto em 1939.

Curioso que o registro do Diário da Noite é único. Jornais do período, tanto os de Alagoas quanto os nacionais, não falam de milagres deste tipo em Matriz de Camaragibe. Moradores mais antigos também não lembram de histórias do Cristo crucificado que suava. Era fake news? Ou o tempo apagou os acontecimentos?

O Cristo crucificado continua a ornar o altar. E os fieis admiram as muitas histórias do padroeiro.

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