A ilusão da ressocialização de delinquentes e criminosos

Os atores são adolescentes que cometeram infrações mais graves e foram internados

Gláucio Soares-Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp/UERJ)-Correio Braziliense

Adriana  Irion e José Luís Costa, repórteres do jornal Zero Hora, fizeram  matéria séria que começa com 162 adolescentes que, há 10 anos, estavam  internados na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), hoje  chamada Fase. Expressões como ressocialização e medidas socioeducativas  são comuns no jargão prisional e, mais recentemente, no jargão da elite  educacional quando trata de crime e delinquência. Fazem parte da  mitologia do crime no Brasil. Existem, por todos os lados, no papel, e  não acontecem na realidade. Ficam no papel. Não obstante, muitos  continuam usando as expressões, que têm força política, como objetivos. É  uma fantasia; não existem nos estabelecimentos prisionais, nem depois.

Os  atores são adolescentes que cometeram infrações mais graves e foram  internados. A primeira inquietação de quem estuda o crime levando em  conta a experiência de outros países é se quem tem entre entre 18 e 21  anos é adolescente. Nas sociedades com renda mais alta e experiência no  aperfeiçoamento de leis e de conhecimento de criminologia e penologia,  não são considerados adolescentes: são jovens adultos. A idade mínima  penal desses países choca o espírito paternalista dos brasileiros,  acostumados a pensá-los como adolescentes. O que aconteceu com eles, uma  década depois daquela internação? Cento e trinta e cinco dos 162 foram  presos outra vez, como suspeitos de terem cometido crimes — 83%. Desses,  114 foram condenados, ou 70% dos 162 originalmente internados.

Fica  pior: 55 estão presos e nada menos do que 48 morreram — 30% da  população inicial de 162. Os autores descrevem a relação entre arma,  drogas e mortalidade nessa fatídica subpopulação: “A maioria dos mortos  foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças  ou de cobranças ligadas ao tráfico”. E prosseguem, ressaltando algumas  das consequências: “Deixaram como herança para famílias cercadas pela  violência pelo menos 17 filhos órfãos de pai… Dos 114 ex-internos  vivos, apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em  ocorrências policiais ou em processos criminais”.

É o retrato do  fracasso, que se repete rotineiramente em outras instituições, em outras  cidades, em outros estados. Irion e Costa não caem na explicação fácil  de que a pobreza é a causa única, ou sequer principal, da alta  criminalidade: incluem família, divórcio, ausência de figura paterna,  desemprego e abuso de álcool e de drogas entre as explicações.

A  internação não ressocializou ninguém: é uma palavra vazia. O mesmo se  repete em todo o Brasil. Num nível diferente, José Pastore, usando, da  melhor maneira, os péssimos dados sobre reincidência, estimou que de  cada 10 pessoas saídas da prisão, sete voltam a cometer crimes. Seus  dados indicam que o emprego faz grande diferença na probabilidade de  voltar a cometer crimes.

Não é um problema brasileiro. Nos Estados  Unidos, vários estudos mostram que a influência da família permanece:  Lattimore, Visher e Linster pesquisaram quase 2 mil delinquentes,  concluindo que os determinantes da reincidência não são os mesmos quando  o novo crime é violento e quando não é. A reincidência violenta é mais  influenciada por uma carreira criminal mais longa e por variáveis  familiares, particularmente patológicas, como a violência familiar e a  criminalidade do pai ou da mãe.

Trulson, DeLisi e Marquart analizaram 1,8 mil delinquentes para averiguar qual o efeito do seu comportamento enquanto eram  internos sobre o risco de reincidência. A conclusão é que somente o  número total de problemas dentro da instituição tem algum valor como  previsor da reincidência —mesmo assim, limitado.

E o tipo de  finalização da sentença, influi? E a supervisão? O primeiro estudo  americano que incluiu vários estados concluiu que a supervisão não  conta. O tipo de finalização da sentença tem a ver com a supervisão  posterior. A libertação obrigatória, de quem cumpriu toda a pena,  descontados os créditos por bom comportamento etc., dispensa supervisão,  ao passo que a discricionária, votada por uma banca, exige supervisão e  é chamada de condicional. O acompanhamento dos ex-internos permite duas  conclusões: a reincidência é muito alta, perto de 60% e, quando outras  variáveis são controladas, não há diferenças estatisticamente  significativas entre os com supervisão e os sem ela.

A prisão e a  internação têm, pelo menos, três vertentes justificadoras: a da  ressocialização, o sonho de fazer o que a família, os amigos e a  vizinhança não fizeram: formar cidadãos. Outra vê a prisão a partir da  necessidade de que os crimes sejam punidos. Há uma terceira,  criminologicamente mais informada: a teoria da incapacitação, que é  claramente protetora da sociedade, não dos infratores. Defende que,  enquanto eles estiverem presos e sem comunicação com o crime fora da  prisão, não cometerão crimes, pelo menos fora dela. Estarão  incapacitados para o crime. Defende penas maiores.

O debate vai  ser reaberto, entre alternativas mais radicais. Ninguém que conheça os  dados acredita que a internação seja o caminho para a ressocialização.

.