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A hora dos democratas: jovens, a peça que faltava

Agência O Globo

Izzy Mijay, de 26 anos, mora na capital americana. Do outro lado dos Estados Unidos, vive em Merced, Califórnia, Cristina Smith, de 27. Não se conhecem, mas comungam um mesmo sentimento: desilusão com o governo de Barack Obama. Entusiastas e eleitores do democrata em 2008, estão frustrados com o presidente eleito sob a promessa da esperança e da mudança. Izzy está inclinado a ceder, com medo do futuro que enxerga numa Casa Branca republicana, mas não sabe ainda se vai votar em 6 de novembro. Cristina já decidiu: não comparecerá às urnas. Ambos engrossam estatísticas que preocupam a campanha democrata e podem custar a reeleição: após a histórica mobilização quatro anos atrás, apenas 61% dos jovens americanos entre 18 e 29 anos declaram que vão votar este ano, segundo o instituto Gallup.

Protesto contra o bipartidarismo
São 17 pontos percentuais a menos que o registrado às vésperas do pleito de 2008, o que pode sacar uma parcela importante dos 22,367 milhões de votos que o grupo deu ao democrata — cerca de um terço do total que o elegeu. A nova geração, na qual Obama mantém folgada liderança com 58% das intenções de voto, compõe uma fatia relevante do eleitorado também em alguns dos 12 estados que vão definir a disputa, como Ohio, Colorado e Virgínia. Não à toa, os dois últimos, além de Iowa, foram paradas de Obama na última semana, quando o presidente fez comícios em campi de três universidades.
São eleitores como esses que Obama tentará incendiar e convencer de que merece mais quatro anos para fechar o ciclo de mudanças quando discursar, na quinta-feira, na Carolina do Norte, no encerramento da convenção que oficializará sua candidatura à reeleição. Ainda mais depois de seu oponente, o republicano Mitt Romney, ter feito um apelo direto aos eleitores descontentes com ele em seu discurso de nomeação.
“Estou em conflito. Há um potencial na reeleição de Obama para que a mudança aconteça, mas ele não cumpriu a missão que estabeleceu quatro anos atrás. Meus amigos negros não se sentem representados. Meus amigos latinos veem uma cartada eleitoral na medida recente que beneficia jovens imigrantes. E a campanha está focada em nos convencer a votar, não na discussão de mudanças. Não me sinto incluído”, diz Izzy, para quem o problema de não votar é deixar na mão dos eleitores brancos acima de 45 anos, majoritariamente republicanos, a decisão sobre os rumos do país.
Já o desencanto de Cristina tem foco econômico e relação com a perda de fé na realização do sonho americano que a grande recessão impôs a uma fatia significativa da população dos EUA. Desde a eleição de Obama, ela frequentou o curso técnico universitário de Saúde, mas não consegue emprego na área. Após seis meses vivendo de auxílio-desemprego, conseguiu uma posição de auxiliar de escritório:
“Votei em Obama em 2008 porque acreditei na mudança. Mas, hoje, acho que político nenhum muda nada”.
Kyle Greenberg, de 26 anos, aponta outro tópico levantado pela decepção com Obama: o bipartidarismo. Apesar de haver outras candidaturas à Presidência, a política americana é polarizada entre dois partidos, Democrata e Republicano. Uma vez no poder, como aconteceu com Obama, diz esse jovem historiador, existe a tendência de se buscar o meio-termo, limando a perspectiva de implementação de uma agenda mais progressista.
Por isso, Kyle, embora deixe uma janela aberta para votar em Obama, está buscando outra opção, ainda que só para marcar posição, na candidata do Partido Verde à Presidência, Jill Stein:
“Quando surgiu como senador e ao concorrer à Presidência, Obama era um progressista, representava a nossa geração. Mas a radicalização do Tea Party levou o campo republicano para a direita, e Obama também se moveu, virou um moderado. Ele negociou políticas importantes, como a reforma da saúde, a partir de um ponto de vista conservador. Eu sei que é preciso chegar ao meio-termo, mas não o vi sequer começar a discutir à esquerda. É possível que num segundo mandato, sem a pressão da reeleição, avance. Mas não vi indicações disso até agora”, afirma.
Para a cientista política Diane Owen, da Universidade Georgetown, que estuda o comportamento eleitoral jovem, a desilusão é fruto das expectativas irreais próprias da juventude, mas não é um fenômeno novo. Bill Clinton provocou mobilização semelhante em 1992. Mas, quatro anos depois, a queda do comparecimento às urnas não impediu sua reeleição:
“Numa época de crise econômica, que afetou particularmente os jovens, retirar-se do processo é próprio do desalento. Mas jovens são imprevisíveis e voláteis. Ainda podem se inflamar”.
Contando a história certa
John Zogby, especialista em pesquisas eleitorais e estrategista democrata, trata esses jovens como Cenga — College Educated Not Going Anywhere (diplomados sem perspectivas, em tradução livre). Ele acha que o grupo está descrente do papel do governo e que Obama precisa oferecer às novas gerações um novo pacto para o futuro.
“A ironia é que Obama é um ótimo contador de histórias e não contou ainda uma boa aos jovens. Ele precisa, começando pela convenção, dizer que boa parte do pacote de estímulo foi para novas direções para a economia do século 21, como energia alternativa, trem de alta velocidade, pesquisa. Que a reforma da saúde garante cobertura aos jovens, que ele é o único candidato trabalhando pela redução do custo do crédito estudantil. Só assim terá chance de reconquistá-los”, avalia Zogby.
Pontos-chave
ECONOMIA
A taxa de desemprego entre os jovens chega a 12% (a nacional é de 8,2%). O custo da educação superior subiu 22%, e o endividamento com empréstimos para pagar cursos supera US$ 1 trilhão.
GUERRA
O orçamento de US$ 553 bilhões para defesa é considerado muito elevado diante da necessidade de investimentos em outras áreas.
WALL STREET
A falta de regulações mais duras sobre o mercado financeiro é alvo de críticas. Os jovens, fazendo eco ao movimento Ocupem Wall Street, sentem falta de um marco regulatório revolucionário.
SAÚDE
Reconhecem benefícios da reforma da saúde, como cobertura estendida dos filhos até os 24 anos no plano dos pais, mas criticam conservadorismo da lei.
MINORIAS
Jovens cobram ousadia para fazer a reforma de imigração, e ações em defesa de negros e mulheres.
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