A decadência da OEA

Mac Margolis- Estadão

Já se disse muitas bobagens no embate das ideias políticas na América Latina, mas poucas chegam à estridência do clamor pela democratização. Explico melhor. A bandeira é bela e ninguém que não ande de Urutu se oporia à causa. As Américas nunca foram tão democráticas. Só que o diabo da de­mocratização mora nos detalhes.

Pense na Organização dos Estados Americanos (ÓEA). Fundada em 1948, ela nasceu com a proposta no­bre de promover a paz e zelar pela democracia. Agonizou nos anos da ditadura. Depois, reinventou-se nos anos 90, quando regimes militares ce­deram lugar a eleições livres e toda America Latina comemorou o fim da tutela gringa.

Democracia virou palavra de or­dem. Em 1992, a OEA decidiu sancionar qualquer Estado que golpeasse a demo­cracia à força e, em 2001, lançou a Carta Democrática Interamericana, que não só garantiu a todos o “direito à democra­cia” como obrigou os Estados a “promo­vê-la e defendê-la”.

O contexto histórico explica. Em 2000, o peruano Alberto Fujimori, elei­to por uma maioria convincente, deci­diu romper a ordem constitucional. Dis­solveu o Parlamento para consolidar seu poder. Latinizou o autogolpe, recur­so do kit autoritário popular desde o Im­pério Romano.

A OEA fez do vexame peruano um compromisso democrático, com assina­turas de 34 países. De lá para cá, a valen­te Carta Democrática Interamericana virou bibelô, muito mais admirada do que observada.

O problema é que o contexto mudou. A autocracia latina não é mais a mesma. Os velhos comandantes não usam mais óculos Ray-ban nem figurino verde-oli­va. Muitos tomaram gosto pelas regras do jogo democrático. Fazem campa­nha, organizam partidos e adoram as ur­nas. Desde que ganhem. E, se porventu­ra outros ganharem no voto, não levam.

O macete não é esmagar as liberda­des, mas deturpá-las para robustecer um projeto pessoal de poder, rebatizado de democratização popular.

E a OEA com isso? O problema é que a instância máxima da diplomacia intera­mericana não se adaptou ao enredo no­vo. Atento aos golpes ao velho estilo, não enxerga o perigo que vem do esva­ziamento das instituições. Assim, o secretário-geral, o socialista chileno José Miguel Insulza, foi ligeiro e sonoro ao denunciar o golpe contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, que foi bre­vemente deposto em 2002. No entanto, nada falou em 2010, quando, de canetada, o próprio Chávez decidiu aumentar abancada do Tribunal Superior de Justi­ça só para loteá-lo de magistrados chavistas.

Da mesma forma, Insulza condenou o “golpe” que derrubou o presidente hondurenho Juan Manuel Zelaya, de­posto indecorosamente pela Suprema Corte, em 2009, e mandado embora de pijama na calada da noite. No entanto, ele não protestou quando Zelaya, antes, tentou se reeleger- em uma franca viola­ção da Constituição hondurenha – e che­gou a enviar uma equipe da OEA para ajudá-lo a organizar um plebiscito ile­gal.

No estilo de Insulza, a OEA não censu­rou a invasão nicaraguense do territó­rio da Costa Rica, cortina de fumaça pa­ra escamotear a manobra do compa­nheiro Daniel Ortega, em campanha pa­ra reeleição ilegal. Ele nada tem a decla­rar sobre o equatoriano Rafael Correa, reeleito domingo passado, que prometeu converter sua nova maioria parla­mentar em mordaça para a imprensa inconveniente, tudo debaixo do car­taz de “democratização” da informa­ção.

Há poucas semanas, Insulza supe­rou-se, abonando a malandragem chavista que postergou por tempo in­definido a posse do líder bolivariano, atropelando a Constituição venezue­lana, documento que o próprio Chá­vez assinou.

Esse último ato provocou um bate-boca monumental na Assembleia- Geral da OEA em Washington, no mês passado, quando o embaixador panamenho, Guillermo Cochez, in­vestiu contra o que chamou da ce­gueira seletiva que solapava o com­promisso democrático na região. Em troca, seus colegas se revezaram, pas­sando-lhe descompostura e ofensas pessoais.

Em seguida, Cochez foi demitido pelo governo panamenho. Insulza optou pelo silêncio. A OEA permane­ce como estava, com sua bela Carta Democrática Interamericana escrita com palavras certas para fins tortos.

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