A Boa Educação, segundo Pestalozzi

Pixabay

“A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana”, Pestalozzi.

 


Nossa passagem por este planeta, independentemente da crença pessoal de cada indivíduo e da visão que possa ter sobre a continuidade da vida, no pós-morte, é uma construção incessante. Este percurso que é variável ao infinito, enquadra nossa (maior ou menor) proximidade com teoria e prática, com estudos e vivências e, é claro, com a experiência que decorre, em si, do ato de viver.

E viver melhor, o hoje que o ontem, claro, como animais em evolução, biológica e sensorialmente. Para ser melhor é preciso o aprendizado de cada dia (Beto Guedes já teria vaticinado que “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender”), em que colhemos os frutos das sementes que existem pelo caminho, seja as que nós mesmos plantamos, seja as que outros espalharam.

Trabalho com educação desde 1989, no magistério das classes de ensino básico, fundamental, médio e superior. Um professor se forja na lida de todos os dias e, ainda que, em certos momentos, não esteja, ele, em sala de aula, continua e continuará sendo sempre um mestre. E os mestres marcam profundamente a nossa existência.

Além dos mestres presenciais, aqueles com quem convivemos meses ou anos, aqui ou ali, na educação formativa ou técnica e, para os que tem uma oportunidade além, na qualificação profissional das universidades ou faculdades, há os mestres “dos livros”. Aqueles que, distantes do nosso cotidiano e de nossas rotinas, foram relevantes em introduzir métodos que modificaram o tempo em que viveram e os que vieram logo após.

Um deles é Pestalozzi, educador suíço (1746-1827), para quem o afeto seria essencial ao processo de despertamento individual, já que os sentimentos (cultivados e incentivados) seriam os elementos fundamentais para despertar a aprendizagem de modo autônomo, primeiro nas crianças, depois nos seres de qualquer idade, no curso da existência, a partir dos “starts” dados nos anos iniciais.

É por isso que na concepção pestalozziana de educação, o professor é por ele comparado ao jardineiro, já que cultiva as sementes e propicia um conjunto de (melhores) condições externas para que as plantas sigam o seu percurso de natural desenvolvimento: a semente traz, em seu bojo, o “projeto” de qualquer árvore.

Em um oportuno texto de sua “Carta de Stans”, em que o pedagogo descreve o trabalho que realizava num orfanato, em 1799, ele afirma: “Aos meus olhos, ensino escolar que não abranja todo o Espírito, como exige a educação do homem, e que não seja construído sobre a totalidade viva das relações familiares conduz apenas a um método artificial de encolhimento de nossa espécie”.

Ou seja, o educador parte da experiência pessoal – seja o matiz que ela tiver – para a construção da realidade possível, com as necessárias correções que a Educação pode efetivar, considerando o “locus” onde o indivíduo passa a maior parte do seu tempo vivencial, a base que possa ter recebido desde a gravidez de sua mãe, e os dias da primeira infância antecedentes à sua primeira estada em atividades educativas coletivas. E, também, o cenário para onde retorna, após cada dia de aula e que será, sempre, o seu maior laboratório de pesquisas e experiências.

Pestalozzi pensava o ensino como um cadinho para que o ser pudesse desenvolver suas habilidades naturais e inatas, deflagrando, assim, o próprio mecanismo da autoeducação. O protestante suíço entendia que a relação pedagógica e sua plenitude decorria da relação entre filho e mãe e, com isso, se espelharia na própria natureza humana, entre a criatura e sua matriz criadora, a Natureza, podendo significar que, longe do padrão masculinizado imposto pelas civilizações à ideia de Divindade, seria muito mais natural imaginarmos, nós, que não haveria um Deus, mas uma Deusa-Mãe de todos os Espíritos. Uma concepção assim, plenamente ajustada aos debates do nosso tempo, para ressignificar não só o conceito da geratriz divina, como para repensar a relação – quase sempre decorrente de padrões religiosos e culturais, herdados dos nossos antepassados, cultuados familiarmente e “impostos” pelas igrejas em geral.

Vejamos, a propósito, outro trecho da citada Carta: “Toda a boa educação exige que o olho materno acompanhe, dentro do lar, a cada dia, a cada hora, toda a mudança no estado de alma de seu filho, lendo-o com segurança nos seus olhos, na sua boca, na sua fronte”.

Obviamente que, no ritmo frenético a que nos condicionamos pelas necessidades da vida neste quadrante temporal, é preciso esforço organizativo para que, sobretudo nas idades iniciais, o educando não seja entregue a si mesmo, mas tenha um acompanhamento do seu processo de ensino-aprendizagem. A educação do indivíduo, assim, para Pestalozzi, considerado este como a alma ou o Espírito, precisa estar “construído sobre a totalidade viva das relações familiares conduz apenas a um método artificial de encolhimento de nossa espécie”.

Para este insigne pensador, a função do educador seria a de saber ler, interpretar e imitar a Natureza, inspirando-se neste método e, por consequência, dotando os educandos da capacidade de repetição deste processo pedagógico, nas diversificadas situações da existência. Isto num contexto tríplice: físico, intelectual e moral, a integralidade do ser, materializada, no indivíduo, em três dimensões visíveis e entendíveis: mão, cabeça e coração, pela ordem.

Finalizando, de modo inspirador, para que se tenha uma Boa Educação, a partir do lar e considerada a vivência escolar de nossas crianças e jovens, Pestalozzi arremata: “toda essa vontade não é produzida por palavras, e sim pelos cuidados que cercam a criança e pelos sentimentos e forças gerados por esses cuidados. As palavras não produzem a coisa em si, mas apenas o seu significado, a sua consciência”.

E consciência de si mesmo, consciência coletiva, em termos de solidariedade e justiça social e consciência de agir pensando no outro são os ingredientes para uma Sociedade melhor!

* Com meus agradecimentos a Dora Incontri e Rita Foelker que me auxiliaram a compreender a importância deste Educador para a Humanidade.

.