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A arte de não se entregar ao vírus

A possibilidade de encharcar a mente com as mesmas ditas palavras tem rondado os dias; reflexo, talvez, da resistência a uma realidade montada na intenção genocida que nos deixa em permanente alerta para diminuir por nossa própria conta a margem de riscos.

Repetir para cada filho ou parente que a pandemia ainda não passou, que é preciso usar máscaras, que devemos continuar lavando as mãos e evitando levá-las à boca, nariz e olhos e principalmente que não devemos aglomerar, vai se tornando cansativo, porque a maioria nega isso a cada dia e em cada lugar é possível encontrar esta normalidade que nos assusta, quando somos pessoas conscientes.

Brasil acorda e segue o dia com a tarja escura de ser o país da dor insepulta que já caminha rumo aos 200 mil mortos por coronavírus. Mas a classe política está em campanha. Maioria politiqueira e bolsonarista está embebendo as subjetividades disponíveis na euforia pelo desejo ne negar cada vez mais o medo que ronda. Falta psicologia para explicar tanta displicência, mas é possível compreender a força dos grilhões históricos nas mentes e corpos adestrados pelo poder.

Mesmo aqueles que sofreram as perdas de entes queridos optam por brigar com os laudos médicos, acusam a pandemia de “mentira” e adotam outras causas de morte para os familiares. São os negacionistas mais renhidos, geralmente bolsonaristas, fundamentalistas religiosos, ou simplesmente individualistas obstinados.

Sim, está ficando cada dia mais cansativo ser brasileiro. A economia nos expulsa do consumo e  até o básico ficou menor, mais restrito. Nosso maior medo é ficar doente. Grande percentual perdeu a condição de manter planos de saúde e o sistema público continua saturado. Mas com tantos desequilíbrios a saúde é afetada, seja por uma ou outra forma, inclusive nos aspectos psicossomáticos.

O campo se torna ainda propício para buscar fugas.

As igrejas e outros templos já abriram as portas. Estão limpas por fora e perfumadas com desinfetantes. Mas nesta hora o que menos importa é o conteúdo, pois a carência dispensa essência e anseia por acolhidas cantadas, versadas, fundamentadas em cantilenas de fé.

O ciclo está se fechando sobre a liberdade e a dignidade humana está sendo cooptada pelas fomes. A morte aos profetas volta a encantar os poderes, e os amorfos prelúdios de futuro parecem ter sido encaixotados no final de outubro de 2018, e fazem falta em 2020.

Dois anos sem paz.

A esperança vem da guerra contra o instituído, mesmo que seja na serventia do amor feito práxis. Essa é a guerra que salva humanidade.

Brasil não dorme sem pesadelos.

Espaço de subversividade é diretor de auroras na solidão da luta virtual.

Lutemos! Com rebeldia, com poesia. Pois se morrer está tão fácil, o que mais pode nos deter de fomentar a vida? Por quais razões esconderíamos esta indignação que salta, em conceitos de salvação imediata do pensamento?

Resista! Não se entregue. Nem que isto signifique lavar os tomates e as sacolas, colocar uma máscara para esconder a as decepções com quem amamos e só sair de casa quando for necessário.

Alguém haverá de seguir contando esta história. Garanta que nela não faltarão amor e arte.

Neste texto não sentimos necessidade de abordar a presidência porque ela faz parte da doença e da morte.

A dança da vida conta conosco.

SOBRE O AUTOR

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