A 1ª entrevista do primo de Ferro, no hospital, após atentado

O jornalista Célio Gomes- na época editor geral da Gazeta de Alagoas- conseguiu uma entrevista exclusiva com José Maria Ferro, primo do ex-deputado Cícero Ferro, ambos atingidos a bala por um atentado. Os primos de Ferro serão julgados hoje, dez anos após o crime, que aconteceu em janeiro de 2004.

Veja entrevista completa, na edição da Gazeta de 3 de fevereiro que pode ser vista também aqui

“Nós fomos vítimas de duas emboscadas”

CÉLIO GOMES

Em menos de meia hora, o deputado estadual Cícero Ferro (PMDB) escapou duas vezes de morrer, no último sábado, em Minador do Negrão, a 168 quilômetros de Maceió. Foram duas emboscadas, segundo revela o primo e motorista do parlamentar, José Maria Ferro, que dirigia o carro do patrão e também escapou da morte. A primeira tocaia foi numa estrada, fora da área urbana. A segunda tentativa de assassinato ocorreu minutos depois, no centro de Minador.

Ainda internado no Hospital Arthur Ramos, em Maceió, no último domingo à tarde José Maria contou à GAZETA DE ALAGOAS, em detalhes, como tudo aconteceu.

Primeiro atentado

Ele e o deputado saíram da chácara da família, na área rural de Minador, por volta das 5h30, rumo à fazenda Santa Juliana, outra propriedade de Cícero Ferro nos arredores da cidade. “Na fazenda, o deputado foi olhar o pasto e a água numa barragem grande que tem lá, porque ele queria levar umas vacas para lá”. Os dois não demoraram na fazenda. “Antes de seis horas, a gente estava voltando para a chácara. Vinha uma caminhonete na nossa direção. Eu disse ao Cícero que era o carro do Zé Nilton (José Nilton Cardoso Ferro, primo e rival político de Cícero  Ferro). Eles vinham com pressa. Quando a gente disse isso, o carro deles parou”. Segundo José Maria, o veículo era uma caminhonete cabine dupla Mitsubishi L20, cor verde, que ao se aproximar fez uma manobra brusca e parou atravessado na estrada de barro. O deputado e seu motorista estavam numa caminhonete Frontier preta. Pelo relato de José Maria, os dois veículos ficaram a quatro metros um do outro. Eram aproximadamente 5h40. “Nesse momento, dois homens se levantaram na parte de cima (a carroceria) da caminhonete e começaram a atirar”. Foi tudo muito rápido, diz José Maria. Outros pistoleiros desceram do carro e também abriram fogo. José Maria não tem certeza, mas acha que eram oito homens atirando contra ele e Cícero Ferro. O deputado reagiu e trocou tiros com os agressores.

Sem ter como romper o bloqueio na estrada, o motorista e o deputado se abaixaram para evitar as balas. “Dê marcha à ré”, gritou o deputado ao motorista. “Eu dei ré e eles vieram pra cima atirando”. Os atiradores usavam espingarda 12, escopeta, pistola e revólver. Acuados, sem poder fazer a manobra completa para voltar na direção oposta, o motorista teve a idéia de partir com a robusta Frontier na direção dos agressores, e foi isso que fez. “Botei o carro na primeira e fui pra cima deles; era o único jeito de tentar sair”. José Maria jogou a caminhonete em cima do carro dos pistoleiros, bateu no veículo jogando-o no canto da estrada e abriu caminho para a fuga. Um dos atiradores, para não ser atropelado pelo carro do deputado, pulou uma cerca ao lado da estrada. Era, segundo o motorista, o próprio José Nilton Cardoso Ferro, considerado até agora o principal suspeito da tentativa de assassinato. José Maria diz que reconheceu outras duas pessoas: Wagner Cardoso Ferro, filho de José Nilton, e um homem chamado Moacir. “Esse aí não é da família dele, é um capanga”. A fuga deu certo. Mas eles ainda veriam a morte à sua frente outra vez.

Segunda emboscada

Livres dos atiradores, o deputado e o motorista, baleados e perdendo sangue, seguiram a toda velocidade para a chácara, a fim de buscar socorro. Mas antes, ao chegarem ao centro de Minador do Negrão, a segunda emboscada. Havia outro carro (um Fiesta) com mais homens, que também foi na direção da caminhonete do parlamentar. Repetiu-se nesse momento praticamente a mesma coisa que acontecera minutos antes. O motorista José Maria jogou a caminhonete em cima do Fiesta e abriu caminho, debaixo de mais uma saraivada de tiros, em pleno centro da cidade. O Fiesta ainda perseguiu a caminhonete de Cícero Ferro até quase a entrada da casa dele, na chácara. “Eles pararam antes da casa e ficaram olhando a gente de longe. Depois fizeram a manobra e foram embora”, conta o motorista. Na Praça São Vicente, onde ocorreu a segunda tentativa de assassinato, o motorista reconheceu Valdeck Cardoso Ferro (outro filho de José Nilton) e Jackson Ferro, filho do vereador Jacó Ferro.

Finalmente, dentro de casa, os dois feridos chamaram pela mulher do deputado, Eladja Ferro. Ela mobilizou seguranças e tratou de remover o marido para um hospital.

Medo no caminho para o hospital

O deputado Cícero Ferro, segundo o relato do motorista, queria sair de Minador do Negrão direto para Maceió. A mulher dele decidiu que eles precisavam de atendimento mais rápido porque estavam perdendo muito sangue. Então a decisão era seguir para Palmeira dos Índios. Ladja Ferro, Inaldo Ferro (primo), o deputado e o motorista deixaram a chácara sozinhos na Pajero da mulher do deputado.

Eles tinham medo de encontrar os pistoleiros na estrada. Quatro policiais militares que estavam na delegacia de Minador foram convocados para dar escolta. Passavam das seis horas quando eles pegaram a estrada. Pouco depois das sete da manhã, chegavam ao hospital de Palmeira dos Índios. Lá já havia pelo menos quatro médicos, que prestaram os primeiros atendimentos, inclusive o médico e ex-deputado Emílio Silva, sogro de uma das filhas de Cícero Ferro. “Pouco tempo depois, apareceram uns vinte médicos”, contou a esposa de Cícero Ferro. “O atendimento foi ótimo, deu tudo certo lá em Palmeira”. Em Palmeira, eles demoraram entre 40 minutos e 1 hora. Por volta das oito horas da manhã, deixaram o hospital.

Ao saírem de Palmeira para Maceió, mais um carro da Polícia Militar, com quatro PMs, deu também segurança na escolta. Cícero Ferro tem família em Palmeira, e vários carros reforçaram o comboio. Segundo também a mulher do deputado, cerca de 30 carros seguiram as duas ambulâncias que transportavam o motorista José Maria e o parlamentar. Ao passarem pelo município de Maribondo, mais um carro da PM com quatro homens reforçou a segurança.

O governo do Estado ofereceu à família um helicóptero para transportar o deputado até Maceió. A família considerou que não era necessário. Eles não sabiam quanto tempo iria demorar para o helicóptero do governo chegar em Palmeira.

Rivais disputam partido

José Nilton Cardoso Ferro é filiado ao Partido da Frente Liberal (PFL) e queria ser candidato a prefeito de Minador do Negrão na eleição de outubro deste ano. O deputado Cícero Ferro é contra a candidatura do primo. A GAZETA apurou que, no final de janeiro, a direção estadual do PFL mudou a formação do Diretório Municipal do partido em Minador e tirou de Nilton Ferro o comando da legenda. Quem assumiu o PFL no município foi exatamente uma das filhas do deputado Cícero Ferro, Thayse Ferro, que também é secretária municipal de Saúde. O episódio foi um golpe nas pretensões de José Nilton Cardoso Ferro de disputar a prefeitura.

Thayse é casada com Flávio Emílio, que é vice-prefeito de Minador. Mesmo tendo o genro como vice e a filha como secretária, o deputado não é aliado do prefeito Bosco Cardoso Ferro. O prefeito está no primeiro mandato e desejaria ser candidato à reeleição, mas ainda não assumiu essa candidatura. Por não ter o apoio do deputado Cícero Ferro, Bosco desistiria de tentar um segundo mandato. No Hospital Arthur Ramos, onde o deputado e seu motorista foram internados, amigos e parentes comentavam que se o deputado fosse morto, “o prefeito também seria beneficiado”. Segundo essas opiniões, Bosco teria o caminho livre para concorrer à reeleição.

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