Repórter Econômico: A moeda e a inflação

José Jair Pimentel- Dicas de economia para o dia do consumidor

A moeda e a inflação

A moeda desempenha três funções: ela serve como meio de pagamento nas transações de bens e serviços; como unidade de conta, isto é, como referência de valor nos diversos contratos que se fazem na economia; e como reserva de valor. Inflações elevadas destroem a moeda quando suprimem uma ou mais dessas funções. Quando a moeda já não desempenha nenhuma dessas funções, então a inflação completou o seu serviço destrutivo e a economia está em plena hiperinflação e a sociedade em desordem.

Existe uma diferença qualitativa e não apenas de grau entre inflação elevada e hiperinflação. Na Argentina, por exemplo, passou-se, antes do Plano Cavallo, da inflação elevada para a hiperinflação. A moeda argentina não apenas deixou de desempenhar a função de unidade de conta, como perdeu o que lhe restava da função de reserva de valor e deixou de ser aceita como meio de pagamento. Verificou-se uma rejeição completa pela moeda nacional. Os argentinos fugiam de sua moeda como o diabo foge da cruz.

Destruição
Para que se tenha uma ideia da velocidade de destruição da moeda argentina, os engraxates de Buenos Aires se concentravam nas vizinhanças de bancos e casas de câmbio,de tal modo a poder trocar por dólar, sem demora, o dinheiro que recebiam dos fregueses. No Brasil, jamais chegamos a esse estágio, embora tenhamos chegado perto, ao final do governo Sarney, quando a inflação atingiu mais de 80% ao mês, ameaçando jogar o país na hiperinflação.

Lado de cá
No Brasil, em nenhum momento da crise, a moeda enconstrou-se inteiramente destruída, tivesse ela o nome de cruzado, cruzeiro ou cruzeiro real. Jamais os brasileiros fugiram da moeda nacional como os argentinos fugiram da sua. A moeda nacional nunca deixou de ser aceita como meio de pagamento, pois não houve no Brasil uma desvalorização comparável com a da Argentina.

Lições de mestre
Guardo em minha hemeroteca (coleção de jornais e revistas), uma entrevista do economista Roberto Campos ao jornal O Globo em março de 1994 (três meses antes do Real)que afirma: “O carneiro que criei transformou-se num bode”. O problema é que em assuntos de moeda, assim como em assuntos de gravidez, não há meio termo: instituir uma regra de correção do valor da moeda significa reconhecer que a moeda não poderá ter valor estável. Na verdade, “o carneiro” já carregava o bode dentro de si.

Ascenção e queda
De 1930 a 1980, o Brasil cresceu como nenhum outro país do mundo e passou a ser conhecido como “País do Futuro”. É bem verdade que o entusiasmo do crescimento acelerado criou muitas vezes o ufanismo tolo, alimentado pelos sucessivos governos, principalmente no perído do regime autoritário (Estado Novo e ditadura militar). Crescemos, mas não soubemos cuidar das condições para que o crescimento pudesse prosseguir, mesmo que,em certos momentos, de modo menos espetacular. Assim, crescemos, mas o crescimento favoreceu de modo muito desigual, formando um País com a maior concentração de renda do mundo.

Fracasso
Com a crise da década de 1980 (Planos Cruzado, Bresser e Verão), fruto em grande medida da incapacidade das elites de perceber, com antecedência, que chegara ao fim o período do crescimento fácil, os brasileiros, uns mais, outros menos, levaram um imenso tranco e passaram progressivamente do “ninguém segura esse País” para a máxima inversa do “não há chance de melhorar”. O ufanismo tolo foi substituído pela mania do fracasso.

Acelerando
Com o aprofundamento da crise financeira do Estado e a aceleração mais forte da inflação a partir de 1979 (governo João Figueiredo), os intervalos de correção monetária da moeda, foram progressivamente encurtando. Encurtar intervalos de reajuste é um dos mecanismos básicos de defesa contra a inflação. Diante da expectativa de que a inflação tende a elevar-se, os agentes econômicos buscam reatualizar o valor dos contratos em intervalos de tempo cada vez mais breves.

Paliativo
A indexação progressiva foi a forma encontrada pela sociedade brasileira, assim como por outras sociedades em situação semelhante, para adaptar-se à inflação crônica, com sua tendência latente a elevar-se. As permiir que o valor dos conratos variem automaticamente, conforme um índice adotado de comum acordo, a indexação dispensa as artes do trabalho infernal de negociar, sucessivas vezes, alterações no valor do contrato, trabalho tão mais infernal quanto mais elevada for a taxa de inflação.

Convivendo
Atravessei esses períodos de ascenção e queda e recuperação da economia brasileira, já como trabalhador (chefe de família) nas décadas de 1970/80. Tanto como professor como jornalista. Missão espinhosa para orientar alunos e leitores quanto as mudanças constantes na economia e saber conviver com a inflação, os juros, os salários indexados e finalmente o confisco do mercado financeiro, até chegar a estabilidade da moeda em 1994.

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