Médicos pedem para sair do Governo Federal

Como reação ao desapontamento com as recentes iniciativas do governo federal na área da saúde, quatro entidades de classe que representam médicos anunciaram ontem que deixarão as cadeiras que ocupam em órgãos dos ministérios da Saúde e da Educação. A Federação Nacional dos Médicos (Fenam), a Associação Médica Brasileira (AMB), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) vão sair de mais de 20 câmaras, comissões e colegiados do Executivo, como antecipou o Correio, no começo da semana. Com a decisão, as associações desligam-se do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e de grupos de trabalho sobre vigilância sanitária, residência médica, criação de carreira de estado e, entre outros fóruns temáticos.

O acordo das entidades é uma reação à medida provisória que institui o Programa Mais Médicos. Elas são contra a possibilidade de estrangeiros trabalharem em cidades do interior ou nas periferias dos grandes centros urbanos sem passar pela prova de revalidação do diploma. Também contestam a inclusão de um ciclo de dois anos de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) no curso de medicina, além dos seis anos de graduação. “Eles tentaram criar o serviço social obrigatório de forma torta”, disse o presidente da Fenam, Geraldo Ferreira.

Em meados de junho, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, criou uma comissão para discutir as ações de interiorização da assistência médica e, apenas três semanas depois, o programa foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff. “Foi criado um grupo de trabalho de fantasia, uma enrolação. Parece que foi uma conversa de surdo e mudo. Ou um monólogo”, criticou o presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso.

O Ministério da Saúde, por sua vez, alega que sempre teve diálogo aberto com as entidades e que dará continuidade às reuniões dos conselhos e das câmaras. Após saber do anúncio das associações, na noite de ontem, a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, lamentou, em nota, a decisão das entidades médicas. “O Conselho de Saúde é o fórum legítimo para discutir o assunto e, quando a categoria médica decide sair, mostra o descompromisso com a saúde pública brasileira”, disse ela.

O presidente da Fenam informou que, até a próxima terça-feira, ingressará com uma ação civil pública na Justiça Federal para suspender o Programa Mais Médicos. Nos próximos 15 dias, também deve ser apresentada uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal. As ações devem questionar o regime trabalhista do Mais Médicos — que não garante direitos trabalhistas como férias remuneradas e 13º salário, por exemplo —; a falta de concurso público para contratação dos médicos; a urgência da MP; e a autorização especial por meio da qual os médicos do exterior poderão trabalhar no país sem necessidade de revalidar o diploma. A entidade também está orientando estados e municípios a entrarem com ações civis locais.

Irritação
Esta semana, outro fator aumentou a irritação das entidades. Na terça-feira, Padilha se reuniu com o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz d´Ávila, e com os senadores Paulo Davim (PV-RN) e Waldemir Moka (PMDB-MS), para montar um grupo com objetivo de elaborar um novo projeto, que pudesse substituir o Ato Médico, sancionado com vetos na semana passa por Dilma. No entanto, no dia seguinte,o CFM recebeu da pasta um esboço da proposta que diz ser “privativo dos médicos diagnóstico nosológico (de doenças) e terapêutico respeitando diagnóstico e tratamento terapêutico das outras profissões”. O texto do ministério foi rejeitado por unanimidade, na quarta-feira, na plenária no CFM, com representantes de conselhos de todo o país.

O Ato Médico tramitou no Congresso por quase 12 anos, mas entidades representantes de áreas como psicologia, farmácia e biomedicina, entre outras, se opunham à proposta, porque tornava exclusiva dos médicos ações como diagnósticos e prescrições de tratamento e medicamentos. Os pontos polêmicos foram vetados com a justificativa de que dificultariam a continuidade de programas de saúde pública.

Universidades também criticam
Em nota, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) afirmou que foi precipitada e autoritária a elaboração do Mais Médicos. A instituição posicionou-se contrária à mudança do curso médico para oito anos, mas favorável a um primeiro ano de residência médica na rede básica de saúde. “Apoia a contratação de 10 mil médicos para trabalhar em locais vulneráveis. Entretanto, é radicalmente contra formas ilegais de contratação, com precarização do trabalho médico e em saúde. Defende a construção urgente e ampla, mediante negociação, de carreiras públicas para os profissionais do SUS, com ênfase para a Atenção Básica”, diz nota. Médicos da Universidade de São Paulo (USP) também criticaram a MP que cria o programa.

Fonte: Correio Braziliense

.