Memórias de um tiroteio

Joaldo Cavalcante- é jornalista

Dia 17 de julho. O calendário registra o décimo sexto ano do tiroteio ocorrido à porta da Assembleia Legislativa de Alagoas. Aquele episódio já faz parte da história política do nosso Estado. Recordo-o na condição de espectador privilegiado, pois me encontrava no meio da praça no momento em que o fogo cruzado começou, marcando o ápice de uma crise que culminou com a renúncia de Divaldo Suruagy do cargo  de governador.

Na época, exercia a função de secretário de Comunicação da prefeitura de Maceió, durante os dois primeiros anos de mandato da prefeita Kátia Born. O clima entre a turma do município e do Estado era de confronto político, que se refletiu na vitória de Ronaldo Lessa ao governo, em 1998, numa disputa contra Manoel Gomes de Barros, que, mesmo tendo o apoio dos senadores Téo Vilela e Renan Calheiros, e ainda o engajamento de noventa prefeitos alagoanos, perdeu a eleição no primeiro turno.

À véspera do tiroteio, Kátia havia recebido uma informação de que uma tropa do Exército sitiaria a praça da Assembleia, para evitar a invasão do Legislativo pelos servidores do Estado, que se encontravam com nove meses de salários atrasados e estavam apoiando a votação do impeachment de Suruagy, prevista para o dia seguinte. A prefeita ligou para o comandante do 59º Batalhão, a quem apelou para não cercar a praça, pois, sendo um bem da cidade, seria protegida pela Guarda Municipal. O comandante desconversou e, de certa forma, assegurou que tal fato não ocorreria.

Na madrugada de 17, os recrutas do Exército – adolescentes que mal sabiam manipular um “FAL” (fuzil automático leve) – tomaram a praça com todos os artefatos comuns a uma ocupação militar. Já de manhã, Kátia se dirigiu à Rádio Gazeta. Protestou e resolveu descer caminhando, pela ladeira da Catedral, até o Poder Legislativo. Ao lado dela, estávamos eu e outros secretários do município, como Luis Abílio. Ela pegou o microfone e disse que entraria na praça. Ficamos entre os manifestantes, os policiais civis e militares – que nos conduziram para a grade que cercava a praça – e os recrutas de fuzis e baionetas.

No ruge-ruge, a grade cedeu e não mais havia caminho da volta. Os recrutas, em ato contínuo, recuaram para a porta do Parlamento. Aí alguém abriu fogo e o tiroteio começou. Foram só alguns minutos, mas pareciam intermináveis. No primeiro pipocar, deitei no pé de uma daquelas grandes árvores que lá sobrevivem. Ao meu lado, o jornalista Miguel Torres.

Depois, soubemos que grande parte dos disparou era com balas de festim, mas o pipocar é o mesmo. O fato é que esse episódio de entrada na praça mudou o curso dos acontecimentos, acelerou o afastamento e, posteriormente, a renúncia do governador, não obstante ser sempre negado por ele.

O 17 de julho de 1997 ainda precisa ser objeto de relato detalhado, com a participação de todos os seus atores, para melhor documentar essa quadra marcante da vida institucional em Alagoas.

.