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As manifestações e o direito de ir e vir

 

Nós brasileiros não fixamos ainda uma cultura de luta política em benefício de nós mesmos. Talvez por isso, tenhamos delegado aos mais inescrupulosos políticos essa façanha, que acabou por transformar-se em uma farsa representativa.

Fomos arrebanhados ao conformismo. Esse fenômeno agravou-se, por certo, após o período da ditadura militar, que difundiu além do medo, ideias negativas referentes ao ato de protestar.

Por que chegamos a uma explosão de manifestações por todos os cantos do nosso país?

A exaustão quase absoluta da população que espera, paga, necessita e não recebe de maneira efetiva os direitos mais básicos, tem sido o combustível que alimenta essa chama.

Acrescentemos a decepção profunda dessa população com as siglas partidárias (ilustres desconhecidas em essência, já que nem todos decifram-nas), vinculando os descalabros sociais contra os quais lutamos em braçadas diárias, à ineficácia dessa representação política.

Uma junção de insatisfações está levando as pessoas às ruas. Diferentes reivindicações, gritos e exigências, cada aglomerado urbano ou rural descobre mazelas muito próprias, locais, com força de indignação suficiente para retirar de casa os que passaram anos esperando.

Neste momento não importa a profundidade da raiz consciencial do fenômeno. As ocorrências se dão sobre fatos reais, e um aprendizado fugaz, empírico, permite o desaguar de tantas mágoas contidas contra o Estado que não garante direitos como deveria mas mantém aparatos de repressão e cortes de privilegiados super-nutridos.

Este segmento tem ânsia de cidadania.

Por outro lado, encontramos o preço que a coletividade tem sido obrigada a pagar, para a execução destas manifestações, que ocupam as ruas e praças no intuito de serem registradas em sua força de expressão.

Surge o debate sobre o direito de ir vir, principalmente por razões comerciais, pois a contabilização dos prejuízos financeiros ecoa na mídia como grande crime.

Contudo, os prejuízos históricos que resultaram do recolhimento da população brasileira aos limites do lar, alcançaram projeção incalculável em termos de atraso, exclusão e miserabilidade social, cultural e moral. Isso é crime?

O Estado reage sobre a liberdade de gritar as carências de cidadania, insuflando os brasileiros “pacificados” na rotina, imediatistas na busca pelo pão, no cumprimento do horário, contra os brasileiros recém-despertos, indignados, esperançosos de alcançar pelas vias da pressão midiática os tais tempos melhores que todos desejam

Astutamente, o Estado aciona a mais poderosa alavanca que tem utilizado, o poder judiciário, para determinar limites às manifestações.

Acostumado a legitimar seus próprios interesses com discursos pseudo-coletivos, o Estado brasileiro quer deter a marcha popular. Desacelerar os protestos, liberar as vias da normalidade ao “pacato cidadão” que ainda espera as soluções mágicas através dos decretos, PECs, e afins.

Intencionalidade antipopular não falta a quem conduz essa nação, desde a colonização. Por isso, registro o repúdio aos imediatos reclamadores que recusam os mínimos sacrifícios em benefício da verdadeira causa coletiva manifesta contra a corrupção, a exploração e ausência de políticas públicas.

Que possa o povo sair às ruas e enfeitar as praças com seus cartazes e caras pintadas, de cansaço, raiva e desgosto, buscando esperança.

Ir e vir na história do próprio país, para fazê-lo crescer em garantia de direitos e moralização pública, é mais importante do que qualquer outro argumento.

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