A hora de pagar promessas

Mas quanto tempo dura o efeito midiático de uma cracolândia limpa? Que estratégia deve ser usada pelos órgãos públicos para controlar a epidemia do crack e garantir o tratamento dos dependentes que estão sendo internados compulsoriamente?

Antônio Geraldo da Silva-Correio Braziliense

A retirada de usuários de drogas da região  conhecida como cracolândia, em São Paulo, suscitou uma discussão sobre  os limites da atuação do governo e da força policial no tratamento dos  dependentes químicos. A operação é apoiada por 82% dos paulistanos  segundo o instituto de pesquisas Datafolha.

Mas quanto tempo dura o  efeito midiático de uma cracolândia limpa? Que estratégia deve ser  usada pelos órgãos públicos para controlar a epidemia do crack e  garantir o tratamento dos dependentes que estão sendo internados  compulsoriamente? Tirar o dependente químico das ruas — de forma  compulsória ou involuntária, como vem acontecendo — e oferecer  tratamento adequado é, com certeza, a estratégia fundamental para vencer  o jogo contra a droga.

A Associação Brasileira de Psiquiatria  (ABP) apoia a internação compulsória ou involuntária — desde que seja  acompanhada e indicada por psiquiatra — porque entende que é a forma  ideal de garantir a saúde e a vida do usuário, mas também defende que é  preciso mais do que ações policiais para que o viciado se afaste das  drogas e tenha qualidade de vida.

E é exatamente no pós-ação  policial — no tratamento — que está o calcanhar de aquiles da operação  da cracolândia paulista e de outras que se desenvolvem em todo o Brasil.  Para onde enviar os dependentes e como tratá-los? Os hospitais,  clínicas e Centros de Atendimento Psicossociais (Caps-AD) estão  preparados?

A sociedade e a ABP esperam há vários anos que o  governo saia da inércia e passe a atuar de forma mais efetiva. Uma luz  mais forte surgiu no final de 2011, quando o governo lançou um conjunto  de ações para operacionalizar o Plano Integrado de Enfrentamento ao  Crack e Outras Drogas, criado em maio de 2010. A ideia dos comandados da  presidente Dilma Rousseff, mais especificamente os ministérios da Saúde  e da Justiça, é concentrar as ações em três eixos: o cuidado, que  prioriza o atendimento ao dependente químico e a seus familiares; a  autoridade, com foco no combate ao tráfico de drogas; e a prevenção.

Também  está prevista a criação de enfermarias especializadas nos hospitais do  SUS (Sistema Único de Saúde). Até 2014, o Ministério da Saúde prevê o  repasse de recursos para a criação de 2.462 leitos, que serão usados  para atendimentos e internações de curta duração durante crises de  abstinência e em casos de intoxicação grave.

Contudo, se faz  necessária a implantação de vagas hospitalares para internações de longa  duração, preferencialmente em unidades de psiquiatria. E na  impossibilidade de vagas públicas, que as clínicas conveniadas sejam  usadas para internação, como se faz em relação a outras patologias que  recebem atenção integral do SUS e tratamento igual. Esse parâmetro,  inclusive, faz parte Rede de Atenção Psicossocial, criada pelo governo  no final de 2011 e ainda não operacionalizada.

Finalmente o  governo entendeu que a questão do crack — que se instalou no Brasil há  mais de duas décadas — é problema de saúde pública. O ministro Alexandre  Padilha admitiu a “epidemia” e foi além. Disse que o crack avançou na  sociedade mais do que as ações governamentais de combate à droga e que a  rede pública de saúde não está preparada para o atendimento.

Entramos  em 2012 e a luz está diminuindo porque até agora nenhuma das medidas  foi implementada. O que continuamos a ver é um modelo de atendimento que  não supre a demanda, não tem eficiência e resolutividade e,  principalmente, não atende a Lei 10.216/2001, que estabeleceu as  diretrizes da saúde mental no país, emoldurando nova estratégia, fundada  na humanização do tratamento e na formação de uma rede, sem nenhum  serviço com características asilares. O núcleo deixou de ser o hospital,  mas passou a ser outro serviço, o Caps. Ainda estamos longe de uma  rede.

O fundamento mais importante é o fortalecimento da proteção e  promoção da saúde, prevenção da doença e atenção. E isso só se dá com  uma rede de saúde eficiente e preparada. É preciso colocar o foco no  usuário de drogas no dia a dia, não apenas no momento isolado, quando a  imprensa destaca nos noticiários e nas primeiras páginas de jornais. A  ABP está pronta para ajudar e já se dispôs para tal. Só falta o governo  pedir.

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