Brasil, mostra tua cara!

Ela Wiecko V. de Castilho- Correio Braziliense

O Brasil vive momento singular, ocupando cada vez mais lugar de destaque na cena internacional. Prepara-se para sediar nos próximos três anos os dois mais importantes espetáculos esportivos planetários — a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas.

Nossa opinião é cada vez mais ouvida e considerada, crescendo a cada dia o grau de respeito internacional pelo país, apesar dos graves nós sociais ainda por desatar. Entre eles, educação, saúde, controle da corrupção e violência.

Ao lado disso, nossa Constituição em breve completará um quarto de século de vida e sua essência garantidora da cidadania civil, social e política sobressaiu como principal virtude, que a fez ser chamada de Constituição Cidadã. Para tornar concreta nossa cidadania, a Carta Magna incumbiu o Ministério Público, que se faz presente no Brasil há mais de 400 anos, atuando inicialmente perante o Tribunal da Relação da Bahia colonial.

A Carta constitucionalizou os papéis de promoção da ação penal pública e da defesa da ordem jurídica e regime democrático, protegendo interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Assim, foi natural a adesão do país, 11 anos depois, ao Estatuto de Roma (que criou o Tribunal Penal Internacional) em 7/2/2000, sendo a regra depois incorporada à nossa Constituição. Hoje são 121 os países signatários.

O Tribunal Penal Internacional foi criado para processar e julgar crimes contra a humanidade, especialmente porque muitos países não tinham e não têm instituições sólidas o suficiente e aptas para essa complexa prestação de serviços. Uma das mais importantes conquistas para a humanidade no Estatuto de Roma foi dotar ali o Ministério Público dos poderes necessários para fazer valer o sentido do estatuto, especialmente o poder de investigação criminal, previsto expressamente no artigo 15.

Bem por isso que expertos internacionais, da Europa e América Latina, reunidos em Brasília nos dias 11 e 12 de março no seminário internacional sobre o papel do MP na investigação criminal, externaram a perplexidade em relação à Proposta de Emenda Constitucional 37, que pretende impedir o Ministério Público de investigar criminalmente. Junta-se o Brasil, assim, a Uganda, Quênia e Indonésia. Ex-mandatários dos dois primeiros países são réus no referido tribunal.

A perplexidade é mais que justificada porque essa PEC fere frontalmente a própria Constituição brasileira, à qual foi incorporado o Estatuto de Roma. E porque é impossível entender como o Brasil assume uma posição mundial de atribuir poder de investigação ao MP e dentro do país pensa em retirar este poder.

Além disso, desprezar o estabelecido num tratado internacional significaria o Brasil se fechar numa concha, implodindo as relações com o mundo e destruindo o trabalho consolidado de cooperação com os demais Estados, que garante, por exemplo, repatriação de dinheiro desviado e remetido para outros países, produto de corrupção.

O MP tem responsabilidade social e examina provas com ética e lisura, não tendo compromisso com número de condenações, mas com a proteção da sociedade e o respeito ao devido processo legal. Por isso, não há por que impedir o MP de investigar, o que o dicionário Houaiss define objetivamente como procurar metódica e conscientemente descobrir algo, através de exame e observação minuciosos.

Tudo indica que a PEC se origina do fato de que muitas iniciativas do Ministério Público incomodam os detentores do poder e, muitas vezes, eles são os próprios réus que temos o dever de responsabilizar por atos desrespeitosos à sociedade. Não somos os donos da verdade. Existe o direito à ampla defesa e cabe sempre ao Poder Judiciário o julgamento final.

Não é natural, nem compreensível, nem aceitável que representantes do Poder Legislativo, na contramão da marcha histórica da civilização rumo à dispersão do poder preconizada por John Locke já no século 17, queiram amputar os promotores de justiça e procuradores. Esvaziando o papel do MP, monopoliza-se nas mãos da polícia a investigação criminal.

Cabe ao Legislativo, desde Montesquieu, elaborar leis que regulam a vida em sociedade, cuja razão de ser seja o interesse de todos, não a impunidade decorrente do monopólio do poder. Num mundo globalizado, em que as decisões políticas nos planos jurídico, monetário, econômico e fiscal afetam as relações com as demais nações do mundo, o parlamento deve estar atento para não ceder a interesses menores e inconfessáveis — e não nos colocar na contramão da história.

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